Viver sem ler é perigoso.

#RelendoKvothe || Releitura de O Nome do Vento – Parte 3

Com o perdão pela demora, este final de semana foi bem intenso: faculdade, aniversários e dia das mães. A postagem acabou atrasando demais, além do fato de eu ter acrescentado um bocado de coisa enquanto a revisava. Peço desculpas, mas espero que valha a pena.


A releitura dessa semana trouxe uma grata lembrança que estava adormecida há algum tempo na minha mente. Eu realmente não recordei Trapis desde a última vez que li O Nome do Vento, coisa pela qual me culpo, pois tenho certeza que é um personagem importante – embora muito negligenciado por um grande número de leitores. Então esta releitura é meio que dedicada a ele, pois foi o que mais me marcou entre esses dez capítulos que li, assim como sua narrativa. Mas, claro, não podemos esquecer de modo algum do real destaque, deixando as emoções de lado, dos dez capítulos aqui abordados: Skarpi e suas histórias.
Vamos à análise?


Capítulo 21 – Porão, pão e pipa
O vigésimo primeiro capítulo nos apresentou a figura de Trapis. Kvothe, morto de fome e passando por maus bocados durante sua mendicância por Tarbean, seguiu dois meninos que se dirigiram a um porão de um prédio velho. Acabou por descobrir que aquele era o porão de Trapis, o local onde esse homem com a pele curtida pelo tempo cuidava dos desamparados de Tarbean – das crianças doentes, por exemplo, cuidava em condição permanente; já daquelas como Kvothe, que mendigavam pelas ruelas da cidade, oferecia abrigo, comida e um abraço quando necessário, em troca de ajuda nas tarefas do cotidiano. Assim estabeleceu-se uma conexão de confiança entre Kvothe e Trapis, ainda que o garoto estivesse um pouco receoso, e o porão tornou-se o primeiro lugar em muito tempo que se aproximou de um lar para o ruivo.
Eu ainda não parei para ler nada sobre Trapis em fóruns como o Reddit, mas sei que Rothfuss respondeu em seu blog a algumas perguntas sobre ele. O que sabemos com certeza, por exemplo, é que Trapis é um discípulo de uma religião variante do Tehlinismo. Em minha concepção pessoal, ele pode ser um anjo. Só quem o viu em ação no livro sabe que não é uma hipótese a ser descartada. Por este motivo, penso se Kvothe em algum momento pós-Segundo Dia não retorna a Tarbean e se vê obrigado a matá-lo. Lembram do Cronista e da face de um homem que matou um anjo ou coisa semelhante? Pois é. Eu tenho certeza que Trapis, que aparece tão pouco nesse primeiro livro e nenhuma vez no outro, tem um papel muito mais importante do que Rothfuss quer nos fazer crer.
Acho que entre todas as minhas frustrações e questões envolvendo Trapis, porém, a maior não tem nada a ver com os livros: apenas me pergunto por que diabos ninguém nunca fez uma fanart desse personagem tão fascinante?

Às vezes, Trapis parecia ser o único a cuidar de todas as criaturas desamparadas de nosso canto em Tarbean. Em troca, nós o amávamos com uma ferocidade silenciosa, à qual só a dos animais pode se equiparar. Se um dia alguém levantasse a mão contra ele, 100 crianças uivantes despedaçariam esse agressor em tiras ensanguentadas no meio da rua. 

Ah, ainda sobre esse capítulo, acho bacana quando Kvothe retoma um pouco da sua inteligência e perspicácia bem comuns na época da trupe.

Má circulação, pensou uma parte de mim que há muito não era usada. Risco maior de infecções e um incômodo considerável. Os pés e as pernas deveriam ser levantados, massageados e embebidos numa infusão morna de casca de salgueiro, cânfora e araruta.


Capítulo 22 – Um tempo para demônios

Um tempo para demônios foi um daqueles capítulos que retratam bem o que penso da humanidade atual: há muita gente desgraçada, mas nem por isso descarto aqueles que me dão esperança. Kvothe apanhou tanto que provavelmente foi o primeiro momento do livro em que mais se aproximou da morte (tirando o encontro com Gris), mas atitudes bacanas também aconteceram, o que acabou por dar um pouco de esperança ao garoto. Imagino que o encontro que Kvothe teve com o "Encanis" foi exatamente o que o salvou e motivou a não desistir de viver. Não dá nem para mensurar a real importância, na verdade, que uma atitude tão pequena teve na vida de Kvothe.



Levei um momento para identificar o que ele segurava. Um talento de prata, mais grosso e mais pesado que o vintém que eu havia perdido. Era tanto dinheiro que eu mal podia conceber. 
― Vamos, pegue. 

Ele era uma forma de escuridão ― capa negra com capuz, máscara negra, luvas negras. Encanis parou diante de mim, estendendo um pedaço luminoso de prata que captou a luz do luar. Aquilo me fez lembrar a cena de Daeonica em que Tarsus vende sua alma.
 
Peguei o talento, mas estava com a mão tão dormente que não pude senti-lo. Precisei olhar para ter certeza de que meus dedos o seguravam. Imaginei poder sentir o calor se irradiando por meu braço e me senti mais forte. Sorri para o homem da máscara negra.


Capítulo 23 – A roda ardente

Esse capítulo me trouxe duas coisas: aumentou o meu amor por Trapis e contou uma das histórias de Tehlu, que era Menda. Primeiro, me fez amar ainda mais esse personagem pelo simples modo como cuidou de Kvothe em seus dias de febre: com um carinho excepcional. Segundo, porque conhecemos essa história (de Tehlu que era Menda) que, numa primeira olhada, parece desimportante – quando na realidade só confirma o que a gente já sabe quanto à relevância de cada palavrinha inserida por Rothfuss no decorrer dos livros. Nada é por acaso, e a história narrada por Trapis com certeza é uma prova disso.
Aliás, essa história é de suma importância no segundo livro. Outra coisa que a gente nem imagina quando a lê, e só consegue associar com os fatos de O Temor do Sábio se realmente estivermos de sobreaviso.

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― Às cinzas tudo retorna, e assim também esta carne queimará. Mas eu sou Tehlu. Filho de mim mesmo. Pai de mim mesmo. Aquele que foi e que será. Se sou um sacrifício, sou unicamente um sacrifício a mim mesmo. E, se necessitarem de mim e me invocarem da maneira apropriada, retornarei para julgar e punir.

O mais curioso nisso tudo não é apenas o óbvio paralelo entre a história de Tehlu e a de Jesus, demonstrando a clara inspiração de Rothfuss ao compor um passado para o personagem. Não, é o paralelo entre Menda e Lanre: ambos passaram por sete cidades, sendo impedidos de destruir a oitava. Menda, porém, conseguiu salvar a sétima da onda de destruição de Encanis, ao passo que Lanre destruiu a sétima cidade (Myr Tariniel, de Selitos), entretanto ali foi detido de prosseguir e destruir a última. Em resumo, oito cidades aparecem na história de cada um, e por pelo menos sete delas ambos os personagens peregrinam. As semelhanças, porém, não morrem aí: quando reli a história de Menda/Tehlu e vi o momento em que ele separa as pessoas que querem seguir Seu caminho daquelas que assim não desejam, me lembrei imediatamente de uma das hipóteses da criação do Chandriano. Não foram eles supostamente condenados a viver eternamente por terem recusado o caminho proposto por Tehlu?

No final, sete permaneceram do outro lado da risca. Tehlu lhes perguntou três vezes se queriam atravessá-la, e três vezes elas recusaram. Depois da terceira pergunta, Tehlu saltou sobre a linha e desferiu em cada uma um grande golpe, prostrando-as no chão.
Logo na sequência, porém, descobrimos que uma das sete pessoas na verdade era um demônio usando pele humana, portanto os que realmente recusaram o caminho de Tehlu foram seis. Unindo a Lanre, que se tornou Haliax, temos sete. Chandriano? Se formos seguir essa lógica, porém, Gris não poderia ser um Encantado, como eu sugeri anteriormente em virtude de algumas semelhanças com Bast. Como estamos teorizando e nada aqui é certeza, porém, há de se considerar todas as hipóteses.

Depois disso, passei a alimentar uma suspeita que nunca me deixou por completo. Seria Trapis um sacerdote tehliniano? Seu manto era esfarrapado e sujo, mas talvez tivesse sido do tom cinza adequado muito tempo antes. Partes de sua história haviam se mostrado canhestras e hesitantes, mas algumas tinham sido imponentes e grandiosas, como se ele as recitasse de uma lembrança semi-esquecida. De sermões? De suas leituras do Livro do Caminho?

A suspeita de Kvothe, Rothfuss já respondeu para a gente, como falei no começo da análise: não, Trapis não é um sacerdote tehliniano. Mas assim, sem querer colocar coisa na sua cabeça, aqui vai algo que me deixou com a pulga atrás da orelha: uma lembrança semi-esquecida. Poderia, numa louca possibilidade, Trapis ser Tehlu, aventurando-se novamente como um dia foi Menda? Será que o fato de ter recordado tanto não teve nada a ver com sermões e o Livro dos Caminhos? P o s s i b i l i d a d e s. Amo essa palavra.


Capítulo 24 – As próprias sombras

As próprias sombras foi aquele capítulo que quando li pela primeira vez, me fez sentir raiva de verdade do protagonista. Tudo bem que eu tentei entender seus temores e compreender sua inércia, mas mesmo assim não consegui engolir. Trata-se de um capítulo que resume o que Kvothe aprendeu durante seus anos de mendicância em Tarbean, bem como nos é contado sobre o momento em que ele presencia um estupro contra um garotinho de oito anos e decide não fazer nada e ignorar o choro por motivos puramente egoístas: não revelar seu esconderijo, e não apanhar. O que alivia a falta de atitude é a culpa que, após tantos anos, continuou a perseguir Kvothe, mesmo enquanto Kote. E acredito que tenha sido aquele capítulo para mostrar para todos que não, Kvothe não era tão virtuoso, mas humano (e a covardia, no final das contas, é uma característica humana pra caramba, especialmente em crianças; além disso, depois de tudo que ele passou, nem dá para culpá-lo tanto assim). 

Larguei a telha. Voltei para o que se transformara em meu lar e me enrasquei no abrigo do nicho sob a projeção do telhado. Torci o cobertor nas mãos e trinquei os dentes, procurando barrar o murmúrio baixo da conversa pontuado pelas gargalhadas grosseiras e pelos soluços baixos e desamparados que vinham lá de baixo.


Capítulo 25 – Interlúdio: Ansiando por uma razão

Um diálogo especialmente interessante acontece logo no início do capítulo.

(...) ― Se você está ansioso por descobrir a razão de eu ter-me tornado o Kvothe sobre quem contam histórias, acho que talvez possa procurá-la aí. 
(...)
― Você sabe quantas vezes fui espancado no decorrer da minha vida? 
O Cronista abanou a cabeça. Erguendo os olhos, Kvothe sorriu e encolheu os ombros com ar displicente. 
― Nem eu. Seria de se supor que esse tipo de coisa ficasse gravado na memória da pessoa. Seria de se supor que eu me lembrasse de quantos de meus ossos foram quebrados. Seria de se supor que eu recordasse os pontos e os curativos ― completou. Abanou a cabeça. ― Nada disso. O que eu me lembro é daquele garotinho soluçando no escuro. Claro como um sino, depois de todos esses anos. 
O Cronista carregou o sobrolho. 

― Você mesmo disse que não havia nada que pudesse fazer. 

― Podia ― disse Kvothe, com ar sério ―, mas não fiz. Fiz uma escolha e me arrependo dela até hoje. Os ossos se consolidam. O arrependimento fica com a gente para sempre.

No capítulo, Kote também justifica a Bast o motivo de nunca ter saído de Tarbean, ainda que a cidade tenha trazido momentos tão traumatizantes e tenha causado tanta dor e sofrimento. Como o próprio afirma, somos criaturas do hábito, e a partir do momento que o garoto se habituou àquela mediocridade, ela passou a fazer parte da sua vida. Por fim, sua mente, segundo Kote, ainda estava um tanto adormecida, e precisava de alguém para despertá-la. Esta é, afinal, a introdução perfeita para conhecermos Skarpi (quem diria que esse aparente contador de histórias de Tarbean se tornaria tão importante?).


Capítulo 26 – Lanre transformado

Eis um dos meus capítulos favoritos em todo o livro (se bem que eu não sou muito bom parâmetro para isso, haja vista que devo ter uns quinze favoritos). Num primeiro momento, mostra o "fortalecimento" da rixa entre Kvothe e Pike, o garoto que o espancou no primeiro dia em Tarbean: para se vingar disso, Kvothe seguiu Pike, encontrou seu esconderijo e ateou fogo em tudo que o valentão tinha de importante na vida. Em retaliação, acabou esfaqueado na coxa direita, mas conseguiu escapar. Não muito satisfeito, foi mais além e ateou fogo no próprio Pike em outra oportunidade. Parecia uma rixa de sangue. E Pike morava nas Docas, lugar onde Kvothe precisava ir, mas passou a nutrir certo receio (por que será?).
De qualquer modo, neste capítulo é a primeira vez que Kvothe encontra Skarpi, um contador que se tornou conhecido em Tarbean por desafiar qualquer um a lhe pedir uma história que desconheça em troca de um talento inteiro. Certo, ele costumava contar as histórias numa taberna nas Docas, lugar que Kvothe tentava evitar a todo custo, mas por um talento quase certo de ser ganho valia a pena arriscar.
O raciocínio de Kvothe foi fácil de acompanhar: se Arliden, seu pai, levou tantos anos para desvendar a história de Lanre e escrever uma música sobre ele (o que nem conseguiu terminar), a probabilidade de pouquíssima gente saber qualquer coisa sobre esse personagem mítico era muito grande. Mas adivinhem o que acontece? Sim, Skarpi conhece a história. E com riquezas de detalhes. Bastaria um encontro entre Arliden e Skarpi para que o primeiro logo compusesse a música que levou tantos anos para chegar perto de ser escrita. Eu achei isso uma put* ironia do destino.

Rumormongers by PetaloMaM
O Cronista e Skarpi em arte de PetaloMaM.

Quando Kvothe chega à taberna e Skarpi pede uma sugestão de história a ser contada, vale mencionar as sugestões, pois podem aparecer ou ser importantes no Terceiro Dia: um conto de fadas (provavelmente os fae); Oren Velciter e a lutra em Mnat; Lartam; Myr Tariniel (que já conhecemos); Illien e o Urso. Kvothe sugere timidamente Lanre, e é essa a história escolhida da vez. 
 A história em si começa com uma introdução à Myr Tariniel, a cidade cintilante, cujo senhor era Selitos, nomeador poderoso que bastava olhar para alguma coisa para descobrir-lhe o nome. O momento da narrativa se passa durante a Guerra da Criação travada no império Ergen. Em virtude de todas as consequências que uma guerra traz, a maioria das cidades do império foi varrida da existência, restando oito: Belen, Antus, Vaeret, Tinusa, Emlen, Murilla e Murella, e Myr Tariniel, que permanecia intocada em razão dos poderes de Selitos, que previa ataques antes que acontecessem. Como as outras cidades não possuíam senhores com essas habilidades, confiavam em Lanre, um poderoso guerreiro, para protegê-las, bem como em sua esposa, Lyra, que era uma famosa nomeadora, cujo poder equiparava-se ao do próprio Selitos.
No segundo livro há uma menção ao campo de batalha de Blac de Drossen Tor, e existe uma teoria magnífica envolvendo este terreno e a música de Lady Lackless, que infelizmente não poderei abordar ainda. Enfim, esta batalha ocorrida em Drossen Tor durou três dias e foi a pior da Guerra da Criação. Num breve resumo, foi nela que Lanre morreu (ou deveria ter morrido). Também foi nela que Lyra o chamou de volta dos mortos, embora o guerreiro tenha retornado diferente.

Mas Lanre ouviu seu chamado. Virou-se ao som de sua voz e voltou para Lyra. De além das portas da morte, Lanre retornou. Disse o nome dela e a tomou nos braços para consolá-la. Abriu os olhos e fez o melhor que pôde para lhe enxugar as lágrimas com as mãos trêmulas. Depois inspirou um profundo sorvo de vida.


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Lanre e Myr Tariniel destruída nos fundos. Arte de emmgoyer7.

Anos se passaram, a Guerra da Criação estava a caminho de seu fim, até que as coisas mudaram drasticamente. Lyra morreu, não sabe-se como, e Lanre enlouqueceu. Foi encontrar-se com Selitos em Myr Tariniel. Conhecido outrora como grande guerreiro, mas jamais como nomeador, surpreendeu Selitos ao demonstrar grande domínio sobre a nomeação (domínio que se equiparou ao do próprio Selitos, quando só quem se aproximava dele eram Aleph, Iax e Lyra). Isso me fez pensar: para ter adquirido esta habilidade imensa tão de repente, será que Lanre teve algo a ver com a morte de Lyra, esposa que era conhecido por amar insanamente? Será que ao retornar dos mortos, o fez com um objetivo distorcido de vida, ou esse objetivo surgiu apenas depois que Lyra morreu? Enfim. Lanre imobilizou Selitos, e diante dos olhos do senhor de Myr Tariniel, destruiu toda a cidade. O guerreiro utilizou um exército para apagar Myr da existência, um exército cuja aproximação Selitos não foi capaz de prever. Noutras palavras, Lanre tornou-se poderoso além da imaginação. Como? O que se sabe apenas é que a morte de Lyra o destruiu tanto que, ansiando por trazê-la de volta como ela havia feito, foi atrás de conhecimentos obscuros que deveria ter deixado em paz. Isso contribuiu para enlouquecê-lo além da dor e do sofrimento que já sentia. Revoltou-se contra o mundo e quis destruí-lo. Justo. 

― Já me deste o bastante, meu velho amigo ― disse Lanre, voltando-se e pondo a mão no ombro de Selitos. ― Silanxi, eu te conecto. Em nome da pedra, imobiliza-te como pedra. Aeruh, eu comando o ar. Que haja chumbo em tua língua. Selitos, assim te nomeio. Que todos os teus poderes te faltem, exceto a visão. 
Quando indagado por Selitos sobre o motivo de ter feito o que fez, Lanre responde que "a falsidade e a traição me levaram isso, mas a morte dela (Lyra) está em minhas mãos". O que nos deixa a resposta de que ele no mínimo foi a razão de Lyra ter morrido. Masss, porém, o diálogo das páginas 178 e 179 entre Lanre e Selitos me deixaram em dúvida quanto à real maldade de Lanre/Haliax, além do fato de ele ter demonstrado compaixão por Kvothe no assassinato da trupe. Eita personagem enigmático, viu? 

― Não existe alegria! ― gritou Lanre, numa voz tenebrosa. Pedras se estilhaçaram ao som dela, e as bordas afiadas do eco voltaram para cortá-las. ― Qualquer alegria que cresça aqui é prontamente sufocada pelas ervas daninhas. Não sou um monstro que destrói por um prazer perverso. Semeio o sal porque a escolha é entre as ervas daninhas e o nada.

Selitos, após ser libertado e poder mover-se, puniu-se arrancando o próprio olho, mas também puniu Lanre, já transformado em Haliax. Uma das maldições que me chamou a atenção foi "que teu próprio nome se volte contra ti, para que não tenhas paz". Como isso poderia acontecer?


Haliax by emmgoyer7
Lanre transformando-se em Haliax. Arte de emmgoyer7.


Capítulo 27 – Olhos desvendados

O título do capítulo é bem conveniente, uma vez que é isso que de fato ocorre com Kvothe. Ele se permite relembrar da tragédia dos Edena Ruh, e associá-la à história narrada por Skarpi. É assim que assume que conheceu Haliax, que o Chandriano existe e que sua família foi morta por ter colhido histórias a respeito do Chandriano. Mas aí eu pergunto a você: se realmente os Ruh foram mortos por este motivo, por que Skarpi, que sabia em detalhes uma história que Arliden tanto queria descobrir, ainda estava vivo?
Kvothe também refletiu sobre encontrar o Chandriano e matá-los, algo que seu raciocínio prático exercitado em Tarbean sabia ser impossível. Em suas palavras, teria mais sorte se tentasse roubar a Lua. Seria muito engraçado se, no Terceiro Dia, descobrirmos que ele de fato fez isso, e que aquele baú na Marco do Percurso guarda exatamente um pedaço da Lua, como uma teoria quer nos fazer acreditar. Típico do Rothfuss? Talvez. Eis aí uma pista do que pode ter acontecido.


Capítulo 28 – O olhar vigilante de Tehlu

Como Kvothe chega um pouco atrasado à Meio Mastro, não dá para ter certeza sobre a história que Skarpi começou a narrar. Porém, no momento em que o garoto começa a ouvi-la, o contador de histórias está falando sobre Selitos encontrando-se com Aleph. O mesmo Aleph que no começo da narração de Kote sobre sua vida, ele referiu-se como sendo o criador de Temerant. O que nos leva a crer, então, que Aleph está acima de Selitos, pois na história este último pede permissão ao primeiro para destruir Haliax/Lanre e o Chandriano.

De qualquer forma, esta história que Skarpi narra conta a criação dos
Amyr. O "idealizador"? Selitos, que reuniu Ruaches (?) indignados com a destruição de Myr Tariniel para dedicar suas vidas a combater e perseguir Lanre e seus asseclas (o Chandriano). Tehlu também está ali, com Selitos e Aleph, mas seguindo essa história, Tehlu, que é visto como Deus no livro, na realidade é apenas mais um Amyr, embora o mais poderoso deles. Outros membros dos Amyr são: Kirel, Deah, Enlas, Geisa, Lecelte, Imet, Ordal e Andan. Todos foram tocados por Aleph, e neste momento receberam asas ("Asas de fogo e sombra. Asas de ferro e cristal. Asas de pedra e sangue."). Enfim, tornaram-se essa espécie "elitizada" de anjos criada para se opor ao Chandriano, e só podem ser vistos pelos "mais poderosos".
A criação do Amyr, porém, não é o que há de mais interessante no capítulo, e sim o fato de Skarpi saber o nome de Kvothe e conhecer tão bem seu estimado esconderijo, sem que o garoto nunca tenha revelado nada disso para absolutamente ninguém em Tarbean (nem mesmo para Trapis). Quando é pego por um guarda e por um juiz tehliniano após ser acusado de heresia, pois contou uma história em que Tehlu ocupava posição de anjo, não de deus, Skarpi aconselha a Kvothe, nomeando-o e sem olhar para o garoto, que vá embora para seu esconderijo nos telhados.
Aqui peço que você retorne à página 182. Lembra quando Kvothe diz que seu pai dizia a mesma coisa que Skarpi lhe diz? "É preciso ser um pouquinho mentiroso para contar uma história direito. O excesso de verdade confunde os fatos. O excesso de franqueza nos faz soar insinceros". Será que é literalmente a mesma coisa? Será que Skarpi conheceu Arliden? Aprendeu a frase com o pai de Kvothe ou vice-versa? Será que Skarpi não está ali por algum outro motivo que ignoramos? Por que, quando Kvothe se despede e afirma que irá voltar, o contador de histórias diz já saber?


Capítulo 29 – As portas da minha mente

É quando Kvothe começa a retomar seu antigo eu sem sentir toda aquela dor que o rasgava de dentro para fora. Foi necessário o encontro com Skarpi e três anos para que permitisse que isso acontecesse. É quando você vê vislumbres do mesmo garoto que andava na trupe dos Edena Ruh, cheio de curiosidade e muito sagaz.
Kvothe também se põe a refletir sobre tudo o que ouviu nos últimos dias, novamente sobre a chacina dos Edena Ruh, e também sobre coisas que havia aprendido no passado distante. Na história de Skarpi, quem criou os Amyr foi Selitos; porém, na história "real", havia aprendido que o grupo surgiu com o Império Aturense e morreu quando do declínio deste, há trezentos anos. Entretanto, rememorando a situação do assassinato da trupe, recorda quando Haliax perguntou a Gris quem o mantinha protegido dos Amyr, como se o grupo fosse atual. Ou seja, altas contradições. Kvothe também acaba por se perguntar a mesma coisa que eu questionei acima: por que matar os Edena Ruh por investigar a história do Chandriano e de Lanre quando existia alguém perfeitamente vivo que a conhecia em riqueza de detalhes? Não consigo acreditar que o assassinato dos Ruh tenha acontecido tão somente pela canção. Já havia falado isso antes, apenas reafirmando.
E é no final do curto capítulo que Kvothe toma uma das decisões mais importantes da sua vida: ir para a Universidade, pois é só lá que pode encontrar as respostas para tantas perguntas que surgiram envolvendo o Chandriano, os Amyr e a morte de sua família.


Capítulo 30 – Restauração

Kvothe começa as preparações para tentar ingressar na Universidade, iniciando por "penhorar" seu precioso exemplar de Retórica e Lógica presenteado por Ben em troca de dois talentos de prata, podendo recomprá-lo dentro de vinte dias. É a primeira atitude que de fato toma, e a primeira vez que sai da inércia após três anos de uma vida medíocre na mendicância.



Em termos de teoria, estes capítulos me fizeram refletir muito além da conta. Fiquei com vontade de criar uma postagem especial para cada possibilidade levantada na postagem, pois há muito o que explorar. Eu até faria isso, se não estivesse sendo castigada na faculdade e não precisasse ter uma vida fora do blog 😆 Confesso a vocês que pensei, durante algumas vezes, porque "perdia" tanto tempo fazendo essas postagens que não me trarão muito acréscimo na vida adulta - mas notei que é simplesmente incrível fazê-las, reler o livro e discutir teoria com vocês, porque é algo que eu estou fazendo por hobby e prazer, e sinto que eu tenho que aproveitar enquanto posso. Então vamos aproveitar pra caramba, porque há coisa demais a ser investigada na história de Kvothe! 💓


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