#RelendoKvothe || Releitura de O Nome do Vento – Parte 4
Guia do #RelendoKvothe: Introdução ao projeto || Parte 1 (Prólogo ao Capítulo 10) || Parte 2 (Capítulo 11 ao Capítulo 20) || Parte 3 (Capítulo 21 ao Capítulo 30) || Parte 4 (Capítulos 31 ao 40).
Esta semana, em termos de leitura, foi bem intensa. A história passou a ficar tão interessante que por volta de quinta-feira, eu já havia lido os dez capítulos estipulados para a semana. Segurar-me para não prosseguir e ler o livro até o final foi quase impossível – elevei minha força de vontade ao nível supremo. E isso porque estive em uma semana particularmente difícil na faculdade, com atividades acumuladas para entregar e matéria para estudar para as duas provas que fiz hoje pela manhã. Nenhuma dessas coisas obstou a leitura, nem a atrasou; muito pelo contrário. Em comparação, ainda prefiro os capítulos da parte III, pelo tanto de fascínio que tenho com eles, mas os capítulos dessa parte IV não ficam muito atrás (embora careçam de material para teorias). Aqui é onde as aventuras começam, depois de tanto tempo de desgraça.
Vamos à análise?
Capítulo 31 – A natureza da nobreza
Kvothe definitivamente está de volta. Se antes a gente tinha uma leve sensação de que sim, em A natureza da nobreza o retorno do antigo garoto da trupe, porém mais maduro, é oficial. Após deixar seu querido exemplar de Retórica e Lógica na Restauração em troca de dois talentos, Kvothe utilizou-se de sua perspicácia para passar de mendigo em um trapo ambulante para filho da nobreza arrogante num piscar de olhos. Exercitando seu dom teatral e aproveitando as práticas com a trupe, lembranças que se permitiu retomar com carinho, aparece ao final do capítulo trajado como um verdadeiro nobre.
Os filhos dos nobres são uma das grandes forças destrutivas da natureza, como as inundações ou os tornados. Ao ser atingido por uma dessas catástrofes, a única coisa que o homem comum pode fazer é ranger os dentes e tentar minimizar os estragos.
O capítulo não se resumiu tão somente a isso, claro. Depois de estar devidamente limpo e vestido, o garoto volta à estalagem da Beira-Mar na qual havia comido uma refeição e tomado banho, ainda ciente do acordo que fizera com o estalajadeiro sobre lavar os pratos em troca de poder se limpar. E é ali, lavando os pratos, que vemos o cerne da existência da Marco do Percurso: consigo mesmo, Kvothe pensa que talvez gostaria de ter uma estalagem. Ao se despedir do dono, ele afirma:
— Você tem aqui uma estalagem encantadora. Eu me considerarei um homem de sorte se tiver uma tão charmosa quanto ela, quando crescer. — E lhe entreguei o vitém.
Ele abriu um sorriso largo e me devolveu a moeda.
— Com elogios tão gentis, volte quando quiser.”
Em termos de teoria, nada muito alarmante no capítulo. Exceto a pequena pista nesse final que me deixou pensando se Kvothe realmente não voltará a Tarbean em Doors of Stone. O que se conecta ligeiramente à minha teoria com Trapis, se ele de fato for um anjo, e por qualquer motivo que seja Kvothe tiver de matá-lo.
Capítulo 32 – Cobres, calçados e coletividades
Quem aparece neste capítulo? Exatamente! Meu terror particular: Denna. Certo, estou exagerando, mas eu realmente não consigo gostar da personagem.
Após a sua primeira terrível experiência na
Serrania, quando foi espancado por um guarda e salvo por Gerrick, o “Encanis”, Kvothe não imaginava retornar àquela parte de Tarbean, e muito menos que se voltasse, não seria incomodado. Mas foi o que aconteceu. A partir do momento em que se lavou, escovou os cabelos e trocou de roupa, o mundo passou a ignorá-lo ainda mais do que quando era um mendigo. Maltrapilho, era geralmente hostilizado pelas pessoas; bem vestido, elas simplesmente ignoravam sua presença. É engraçado o quanto esse paralelo se reflete na nossa vida, na vida real.
Enfim. Denna aparece pela primeira vez quando Kvothe pega carona com uma caravana. Após acertar os termos e o pagamento para seguir com o grupo até Imre, a cidade mais próxima de seu objetivo (a Universidade), Kvothe a repara em companhia da esposa do carroceiro.

Ela usava uma roupa prática para viajar, calças e blusa, e ainda tinha a dose exata de meninice para que isso não parecesse impróprio. Seu porte era tal que, fosse ela um ano mais velha, eu seria obrigado a vê-la como uma dama. Nesse momento, ao conversar com Rita, ela oscilava entre uma graça refinada e uma exuberância infantil. Tinha cabelos negros e compridos e...
Dito em termos simples, era linda. Fazia muito tempo que eu não via algo de belo.
Aqui já fica evidente o início de uma paixão platônica infantil. Depois de viver nas ruas e encarar tanta desgraça, não podemos culpar Kvothe por isso.
Não nos esqueçamos de mais duas figuras que se fizeram presentes no capítulo: o sapateiro da Serrania, que gentilmente deu um par de sapatos usados a Kvothe sem cobrar nada, embora o garoto tenha deixado discretamente um pagamento no balcão; e Trapis, que sequer precisou erguer os olhos para saber que aquele menino ruivo, tão bem vestido e com porte nobre, era o mesmo que três anos antes havia chegado maltrapilho e à beira da morte nas escadas do porão. O alívio de Kvothe ao ser reconhecido foi tão grande que se alguém fosse falar comigo no momento em que eu lia esse trecho, talvez me ouvisse responder com a voz levemente embargada. Como não acreditar que Trapis é uma figura de outro mundo? Um anjo? Uma pessoa sublime demais pra existir na imundície de Tarbean, mas ao mesmo tempo necessária?
Senti um nó me apertar a garganta de repente. Ele me reconhecera. Não tenho nem a esperança de explicar a você o alívio que foi isso. Trapis era o que eu tinha de mais próximo de uma família. A ideia de que não me reconhecesse fora apavorante.
Capítulo 33 – Um mar de estrelas
Aqui tem início a jornada física de Kvothe rumo à Universidade. É quando, com a caravana de Roent (o carroceiro), ele começa a percorrer a estrada que o levará até Imre. É também a ocasião em que começa a se aproximar de Denna. O primeiro diálogo deles, aliás, é esse aqui, após ela flagrá-lo observando-a com atenção:
— Uma moedinha por seus pensamentos — disse, afastando uma mecha errante do cabelo.
— Estava pensando no que faz aqui — respondi, apenas meio sincero.
Spoiler neste parágrafo. Para lê-lo, selecione o texto. Necessário se faz aqui observar um pequeno errinho de revisão. Mais tarde, ainda em O Nome do Vento, há um momento em que Denna afirma que existem sete palavras que fazem uma mulher se apaixonar. Segundo ela, as de Kvothe foram: “estava pensando no que você faz aqui”. Um errinho bobo, mas como é a primeira frase dirigida dele para a garota, e como Denna a menciona mais tarde, a gente não consegue deixar passar, né?Para quem entende sobre, porém, e quiser dar uma lida, há um fórum no Reddit que identificou o mesmo "erro"e se dedica a argumentar sobre.
— Tenho minhas desconfianças. Neste momento, estou pensando em Anilen — ela respondeu. Elevou-se na ponta dos pés e tornou a baixa-los. — Mas já me enganei antes.
Caiu um silêncio sobre nossa conversa. Denna baixo os olhos para as mãos, remexendo e girando um anel que tinha no dedo. Vislumbrei prata e uma pedra azul-clara.
Acho bom a gente se atentar para a menção ao anel. E ao fato de que a vida de Denna já era complicada antes que sequer conhecesse Kvothe. “Mas já me enganei antes”? Rothfuss, por favor, uma explicação sobre isso, sim?
O capítulo finaliza com os dois passando a noite juntos, conversando até de madrugada, evidentemente encantados um pelo outro – pelo menos o Kvothe temos certeza de que assim está. E aí começa toda a reverência que, mesmo após adulto, o ruivo nutre por Denna.
À beira da água havia um par de marcos de percurso cujas superfícies prateavam-se contra o negrume do céu e o negrume da água. Um deles era vertical: um dedo apontando para o céu. O outro estava deitado, estendendo-se para dentro d’água como um píer curto de pedra.
Nenhum sopro de vento perturbava a superfície da água. Por isso, ao subirmos na pedra caída, as estrelas reluziam duplamente, tanto no alto quanto em seu reflexo abaixo. Foi como se nos sentássemos em meio a um mar de estrelas.
Há muita coisa sobre a Denna que eu sinto vontade de comentar aqui e agora. Muitas lembranças até da leitura de O Temor do Sábio. Todas as minhas convicções que me deixam certa de que a garota tem, de alguma forma, conexão com o Chandriano. Tento não condená-la tanto, pois tenho quase certeza de que algo chocante sobre a personagem será revelado no terceiro livro, e talvez eu passe a nutrir alguma simpatia. Quem sabe? O que me irrita mesmo é o quanto Kvothe a endeusa, como aquele amigo apaixonado que não para de falar em tempo integral o quanto seu amado é maravilhoso. Até mesmo Bast parece possuir certa irritação pelo modo que Kote fala sobre a garota. Pura birra? Duvido. Bast deve saber algo sobre Denna que nós não sabemos, e que até o próprio hospedeiro não saiba.
Capítulo 34 – Ainda por aprender
No trigésimo quarto capítulo, Kvothe ainda viaja com Roent. Então surge Josn. Ninguém muito importante, aparentemente – mas vai saber, né? Ele parece ser apenas mais um passageiro que acompanhará a caravana até Anilen, o mesmo destino de Denna. E fica muito próximo à garota, o que deixa Kvothe muito enciumado e isolado de todos, remoendo suas mágoas, pois esperava que após quase terem madrugado juntos, que as coisas fossem diferentes entre ele e Denna.
O garoto esquece tudo isso mais tarde, porém. À noite, durante uma pausa na estrada antes de dormir, Josn puxa do estojo um alaúde prateado e começa a entoar umas cantigas conhecidas com sua voz mediana e habilidades razoáveis. Algo acende dentro de Kvothe. Seu passado volta com força e ele não é capaz de deter a si mesmo de pedir emprestado, quase implorando, o alaúde de Josn.

Era lindo. Era a coisa mais bela que eu já vira em três anos. Mais bela que a visão de um campo primaveril após três anos vivendo numa cidade pestilenta como uma lixeira. Mais bela do que Denna. Quase.
Posso dizer com franqueza que, na verdade, eu ainda não era eu mesmo. Fazia apenas quatro dias que deixara de viver nas ruas. Não era a mesma pessoa que tinha sido nos tempos da trupe, mas também ainda não era a pessoa de quem se ouve falar nas histórias. Havia mudado, por causa de Tarbean. Aprendera muitas coisas sem as quais seria mais fácil viver.
Mas, sentado junto à fogueira, debruçado sobre o alaúde, senti quebrarem-se em mim as partes duras e desagradáveis que eu havia adquirido em Tarbean. Como um molde de barro em volta de um pedaço de ferro já resfriado, elas caíram, deixando surgir algo limpo e sólido.
E então, após afinar ligeiramente as cordas, Kvothe começou a tocar. Todas aquelas músicas que compôs e aprendeu sozinho na floresta logo após a morte da trupe, todos os movimentos da natureza que aprendeu a sintetizar em forma de canções. Enquanto tocava, também fez novas composições – “soou como três anos de Beira-Mar em Tarbean, com um vazio por dentro e mãos doendo de frio intenso”.
O impacto nas pessoas ao redor foi perceptível. Todos ficaram calados e de olhos arregalados. Denna chorou. Josn ficou pálido. Entre todas as coisas que Kvothe enaltece e mente sobre si mesmo, eu com certeza não acredito que sua habilidade com o alaúde seja uma delas.
E foi assim que Kvothe passou sua última noite antes de chegar à Universidade, com sua capa a lhe servir de cobertor e cama. Quando se deitou, havia atrás dele um círculo de fogo e, à frente, sombras reunidas como um manto. Seus olhos estavam abertos, isso é certo, mas quem de nós pode dizer que sabe o que ele estava vendo?Em vez disso, olhemos para trás dele, para o círculo de luz criado pela fogueira, e deixemos Kvothe sozinho por enquanto. Todos merecem um ou dois momentos de solidão, quando a desejam. E, se por acaso tiver havido lágrimas, vamos perdoá-lo. Afinal, ele era apenas uma criança e ainda estava por aprender o que era tristeza de verdade.
Capítulo 35 – Separação de caminhos
Ainda em sua jornada rumo à Universidade, é aqui que Kvothe se separa da caravana de Roent. É o capítulo em que dá adeus à Denna. Pense um pouco sobre a sua primeira leitura desse livro. Pense quando encontrou Denna. Eu ainda acho bastante curioso o fato de personagens que pareceram, num primeiro momento, tão passageiros, na realidade tornaram-se os mais presentes. Por exemplo, sempre imaginei que Trapis e Abenthy apareceriam muito mais na história. Em minha mente, achava que Denna havia sido apenas mais uma pessoa qualquer com quem o garoto topara em seu caminho. Num primeiro momento, Skarpi soou um personagem de extrema importância, mas quando finalmente entendi que ele havia sido apenas parte do cenário, ressurgiu com grande importância no enredo como um todo. É um livro cheio de pegadinhas. Você, quando lê pela primeira vez, não sabe se a pessoa que Kvothe encontra na esquina é apenas um transeunte qualquer, ou alguém que faz parte do quebra-cabeças da vida do garoto. Se você está lendo pela primeira vez, preste atenção nisso e entenderá o que estou falando.
Enfim. Do capítulo, eu destacaria o seguinte diálogo, que só comprova que Kvothe tem conclusões tão precipitadas quanto as minhas:
Nós, os Ruh, somos viajantes. Nossa vida é feita de encontros e despedidas, com breves e luminosos contatos entre uma coisa e outra. Por isso eu sabia a verdade. Podia senti-la, pesada e certeira, na boca do estômago: eu nunca mais tornaria a ver Denna.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela deu uma olhadela nervosa para trás.
― Melhor eu ir andando. Procure por mim ― disse. Abriu seu sorriso travesso mais uma vez, antes de me virar as costas e se afastar.
― Procurarei — gritei-lhe. — Verei você onde as estradas se encontram.
Capítulo 36 – Menos talentos
O nome do capítulo, claro, é uma referência à inédita taxa escolar de Kvothe ao adentrar na Universidade com apenas quinze anos de idade. Mas isso a gente revisita melhor daqui a pouco.
Kvothe enfim chega a Imre, cheio de esperanças quanto a seus objetivos de pesquisar e descobrir mais sobre o Chandriano e os Amyr. Após tanto tempo vivendo em uma cidade miserável, a cidadezinha que cresceu ao redor da Universidade o surpreende. E, como um ímã, o garoto é logo atraído pelo Arquivo antes mesmo de atravessar a ponte sob o rio Omethi. Destaque para as palavras que ficam nas portas de pedra do Arquivo: “Vorfelan Rhinata Morie”. Se ele não sabe o que significa, cê imagina eu, mas achei interessante colocar aqui.

No capítulo 36 muitos personagens importantes são introduzidos, e o primeiro deles é um jovem com aparência de um cealdo puro, nas palavras de Kvothe, que descobrimos depois tratar-se de Willem. O ruivo o conhece após se dirigir ao Arquivo na intenção de entrar, até ser avisado gentilmente de que precisaria ser um estudante para tanto. E que se quisesse de fato ser, os exames de admissão já estão quase acabando.
É assim que, correndo, Kvothe chega ao Cavus e no momento seguinte já estamos a acompanha-lo durante o seu próprio exame de admissão.
Os professores são bem peculiares. Se você leu Harry Potter, é impossível não traçar alguns paralelos em razão das personalidades. Por exemplo, o Reitor seria Dumbledore, apesar de não ter mais de quarenta anos; Hemme seria Snape; Brandeur seria Argo Filch; Lorren seria Minerva, porém com zero de afeto por nada, exceto seus livros; Kilvin, sorridente, com sua aparência de urso, bem podia ser Hagrid... E assim em diante. Para mim, tão fã de Harry Potter, foi impossível não estabelecer as comparações.
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Da esquerda para a direita: Elxa Dal (Simpatista-Mor); Brandeur (Aritmético-Mor); Hemme (Retórico-Mor); Elodin (Nomeador-Mor); Reitor Herma (Linguista-Mor); Lorren (Arquivista-Mor); Mandrag (Alquimista-Mor); Arwyl (Fisiopata-Mor); e Kilvin (Artífice-Mor). |
Enfim. Kvothe se posta ali, diante deles, e precisa convencê-los de que merece estudar na Universidade, ainda que não tenha uma carta de recomendação de algum arcanista. Explica que Abenthy o ensinou muitas coisas sobre tudo, e que não as esqueceu. Não é momento para ser humilde, portanto o garoto exalta muito a si mesmo e suas habilidades com perfeição. Quando o Reitor cede e ordena que os professores questionem Kvothe dentro de suas especialidades, ele só fica em dúvida em uma das perguntas. As demais, responde e recita como se a resposta tivesse surgido facilmente à mente.
Esse, é claro, é o primeiro momento em que Kvothe desmitifica a si mesmo durante sua narração ao Cronista. Sim, ele era inteligente, mas também esperto. Assistiu escondido vários dos exames anteriores e se atentou às perguntas que mais eram feitas e em suas respostas corretas. Como ele mesmo diz, precisava impressioná-los de verdade. Com apenas dois viténs no bolso, esse valor não era dez por cento da menor taxa escolar que o Reitor fixara para os entrevistados anteriormente. Precisava impressionar – e assim o fez. Sua taxa? Menos três talentos, pois o garoto conseguiu convencê-los de que se lhe dessem esse valor, seria um aluno inesquecível na história da Universidade. Quem pode negar que essa promessa se concretizou?
Curiosidade: Lorren conhece o pai de Kvothe como Arliden, o bardo. Eu queria que houvesse mais referências de como os dois se conheceram, ou como Lorren tomou consciência da existência do cantor dos Edena Ruh. Será que a trupe de Kvothe era mais famosa do que ele sequer imaginava? Ou Arliden, em algum momento durante seus dois anos de busca sobre o Chandriano, consultou Lorren? Ainda vou retomar um pouquinho essa discussão mais adiante.
Capítulo 37 – De olhos brilhantes
Mestre Lorren acompanha Kvothe para que o garoto “pague” (ou seja, receba) sua taxa escolar sem maiores confusões. No caminho, acaba por conhecer outro personagem importante para a história: o estudante Simmon, designado por Lorren para apresentar a Universidade a Kvothe e ajudá-lo a se inscrever nas aulas. Assim, uma nova amizade se inicia e, com o auxílio de Simmon, Kvothe garante para si uma cama para dormir e três refeições por dia durante todo o bimestre por um talento. Uma semana atrás, isso era tudo o que o garoto mais desejava, e também o que lhe parecia mais distante de alcançar.
Além de suas novas instalações, Kvothe também conhece os amigos de Simmon, que logo se tornam seus: Manet, com cinquenta anos de idade e ainda simples E’lir; Wilem, o mesmo que encontrara mais cedo no Arquivo; e Sovoy, excêntrico filho da nobreza que está num dia particularmente ruim após ter recebido uma taxa de matrícula alta. Destaque para Wil e Sim, que se tornam os melhores amigos que Kvothe poderia pedir na Universidade. Para atiçar sua curiosidade, direi aqui que há uma teoria que aponta que o anjo que Kvothe mata, conforme mencionado pelo Cronista, é na realidade Simmon. Há ainda outra que diz que Sim se torna rei de Vintas, e é ele quem Kvothe assassina com a Insensatez, recebendo assim o título de Matador do Rei, e deflagrando uma guerra civil entre Vintas e Atur. Eu particularmente acredito que há possibilidade de Kvothe tê-lo matado na frente da Eólica, cujas marcas nas pedras continuam tanto tempo depois.

Enfim. No meio da conversa, enquanto jantam, Manet aposta dois iotas contra Wilem que Kvothe entrará no Arcanum em menos de três períodos. Alguém aí se saiu bem, não? Ainda interessado no garoto, Manet pergunta o que Kvothe pretende estudar, e ele responde que começará pelo Chandriano. Afinal, este foi sempre seu objetivo, e ninguém mais do que o ruivo sabe o quanto o grupo tido como lenda é real. Mas é aí que Kvothe vê também o primeiro obstáculo para concentrar-se nesse fim: todos veem o Chandriano e os Amyr como contos de fadas. A não ser que diga que está estudando o folclore com alguma outra finalidade, que é o que de fato faz, será visto como um amalucado qualquer.
Mais tarde, ainda no mesmo capítulo, Kvothe conhece uma das pessoas mais desprezíveis de toda Temerant: Ambrose. Nariz empinado, arrogante, décimo sexto na linha de sucessão de Vintas e com uma presunção que mal cabe dentro de si, Ambrose humilha Kvothe já no primeiro contato entre ambos ao impedi-lo de entrar no Arquivo, pois seu nome não está nos registros. Só faltou alguém avisar a Ambrose que ao comprar a inimizade de Kvothe tão gratuitamente, cometeu um grande erro.
Talvez você pense que esse contato me deixou desanimado. Talvez ache que me senti traído, que meus sonhos infantis com a Universidade foram cruelmente destroçados.
Pelo contrário. Aquilo me tranquilizou. Eu vinha me sentindo muito fora do meu elemento até Ambrose me mostrar, à sua maneira especial, que não havia muita diferença entre a Universidade e as ruas de Tarbean. Não importa onde se esteja, as pessoas são basicamente iguais.
Além disso, a raiva é capaz de nos manter aquecidos durante a noite, e o orgulho ferido pode instigar um homem a fazer coisas maravilhosas.
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O arrogante Ambrose Dazno. |
Capítulo 38 – Simpatia no Magno
Antes de adentrar na primeira aula de Kvothe, que foi desnecessária, destaquemos um cantinho especial que o garoto menciona existir no Magno. Tenho certeza que você vai recordar desse lugar por conta de sua importância mais adiante.
(...) Pelo menos um dos pátios fora completamente isolado e só se podia ter acesso a ele pulando uma janela. Diziam os boatos que havia salas totalmente emparedadas, algumas ainda com estudantes lá dentro. Seus fantasmas, segundo os rumores, andavam pelos corredores de madrugada, lamentando sua sorte e reclamando da comida do Rancho.
Agora prossigamos para a aula. A primeira foi de Simpatia com Mestre Hemme, o que me soou incoerente, pois o Simpatista-Mor é Elxa Dal (se você tiver uma explicação para isso, pelo amor de Deus, deixe abaixo). Depois de seu aprendizado com Abenthy, o assunto lecionado parece irrisório e muito distante da verdadeira amplitude das coisas que o próprio Kvothe aprendeu. Hemme humilha alguns alunos pelo atraso, mostrando a que veio, e prossegue em seu infindável falatório desnecessário, ao menos para Kvothe. O que o garoto faz? Aguarda a aula acabar e diz para o professor que as coisas estão sendo “bem explicadas”, mas é apenas o básico do básico que já conhece de cor, além de que há mais sobre o que aprofundar. Hemme não dá muita atenção – ou pelo menos finge não dar.
Na sequência do capítulo, temos outro personagem importante na vida de Kvothe sendo apresentado: trata-se de Feila, estudante da Universidade que está na entrada do Arquivo controlando os alunos que entram e saem. É ela que diz a verdade para Kvothe: não é porque estuda ali agora que tem acesso ilimitado a todos os milhares de livros do Acervo. Para tanto, não basta ser um simples estudante, mas um arcanista.
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Feila, segundo o jogo de cartas oficial de A Crônica do Matador do Rei. |
Feila orienta Kvothe sobre as regras básicas do Acervo e como solicitar algum livro específico que queira consultar. Kvothe, sedento por saber mais sobre o Chandriano e os Amyr, pede por algum livro que fale sobre eles. O que lhe é entregue, porém, é apenas um pequeno exemplar que aborda contos de fadas. Decepcionado, o garoto cede à leitura de Os hábitos de acasalamento do Dracus comum – sim, o livro do Cronista. Não muito tempo depois, Lorren surge e o chama para conversar numa das salas reservadas do Arquivo. Mais um desencorajamento a prosseguir com sua pesquisa sobre o Chandriano. Não é engraçado que Kvothe pareça estar sempre sendo desmotivado a ir atrás de mais informações sobre o grupo e os Amyr?
― Tenho enorme respeito pela curiosidade ― repetiu. ― Mas outros não pensam como eu. E eu não gostaria de ver o seu primeiro período letivo desnecessariamente complicado por coisas desse tipo. Imagino que a situação já lhe será bastante difícil sem essa preocupação adicional.
Retornando um pouquinho, você lembra que eu falei sobre o fato de Lorren parecer ter conhecido Arliden? Então. Esse final do capítulo 38, em que o Arquivista-Mor repreende tão duramente Kvothe por estar atrás do Chandriano, me fez pensar se Lorren e Arliden realmente não conversaram, mesmo que por cartas, sobre o grupo. Pergunto-me se Lorren já não sabe o destino que tiveram os Edena Ruh, e se por algum acaso ele não teria conhecimento de que todos foram mortos em virtude da pesquisa de Arliden sobre o Chandriano. Foi tão insistente e tão "destruidor de sonhos" ao conversar com Kvothe... Será que quer poupá-lo de algo? Ou quer impedi-lo de saber mais por ter qualquer tipo de ligação com um dos grupos?
Algum leitor, porém, perguntou a Rothfuss sobre o motivo de Lorren conhecer Arliden. O autor foi categórico em dar uma resposta que descarta qualquer teoria mais conspiratoriazinha. Mas eu gosto de pensar que se fosse algo importante envolvendo os dois, especialmente a aparecer no terceiro livro, Patrick com certeza não entregaria assim de bandeja. Mas caso você esteja curioso, essa foi a resposta:
Nós escrevemos muitas músicas, e muitas delas foram gravadas e atribuídas a ele [Arliden]. Mas há muitas canções nos arquivos que foram coletadas e não são atribuídas a ninguém. Lorren estava indo pedir para que Kvothe o auxiliasse para catalogá-las, antes que Kvothe tivesse seu ataque ao final do capítulo 36 [quando pensa que sua taxa de matrícula era de três talentos, por não ter prestado atenção que na realidade constava como menos três talentos].
Você quer acreditar nisso? Mesmo que meu bom senso diga que é muito provável que seja apenas o que Patrick afirmou e pronto, eu me recuso. Tudo por conta da minha teimosia em deixar as coisas mais interessantes, especialmente em se tratando de A Crônica do Matador do Rei. Ah, aliás, você confere a entrevista de Rothfuss nesse link, em que ele responde outras perguntas relacionadas ao exame de admissão de Kvothe.
Curiosidade: nesta mesma entrevista, Rothfuss diz que não pode dizer muito sobre as várias religiões mortas que fazem parte do universo dos livros porque quer aproveitá-las em futuras histórias. Mais tarde, quando perguntam se ele está planejando MAIS LIVROS (no plural, e isso com O Nome do Vento e O Temor do Sábio já publicados), ele responde que SIM. Indícios de que teremos mais que Doors of Stone? Com certeza! #EuAcredito.

Capítulo 39 – Corda suficiente
Penso que este título do capítulo tem três interpretações distintas. Para mim, paraense, que estou habituada a ouvir a expressão "pegar corda" semelhante à "se chatear/ser provocado", penso que Corda suficiente traduz que Kvothe foi provocado para fazer o que fez. Por outro lado, numa interpretação mais ampla, também pode querer dizer corda suficiente para se enforcar. Com o resultado final no próximo capítulo, nós vemos que de fato houve corda suficiente para que Kvothe e Hemme se enforcassem, cada um ao seu modo.
Enfim, deixando essas reflexões de lado, vamos ao capítulo em si. Após ter dito a Hemme no capítulo anterior que dominava as Simpatias e conhecia muita coisa que o professor sequer abordara, e mesmo que o mestre tenha fingido não se importar, Kvothe é “retaliado” na aula seguinte quando Hemme diz para os estudantes que é ele quem dará o conteúdo. O garoto aceita o desafio, e dispondo de alguns materiais limitados, leciona a melhor aula de Simpatia possível. Ele não faz apenas uma conexão, mas duas – lembra do Alar que Abenthy lhe ensinou? Da “convicção de rebenque”? E assim, com um pouco de vela derretida, um fio de cabelo de Hemme e fogo, Kvothe envergonha o professor em frente de toda a turma enquanto ensina, de uma só vez, os princípios básicos da Simpatia.
Palmas para ele? Sim, de certa forma. Mas é perigoso ter um professor como inimigo, como o próprio garoto vem a descobrir mais tarde. Especialmente se você, através de uma conexão de simpatia, queima as pernas dele.
Aproveitando a vitória para cima de Hemme, Kvothe se curva diante da plateia de alunos como se estivesse no final da apresentação de uma peça dos Edena Ruh. Claro que é ovacionado, pois nenhum daqueles alunos (com motivos) parece gostar de Hemme e meio que se sentem vingados. A arrogância de Kvothe, porém, não é benéfica. Percebo que é aqui que o garoto começa a inflar o próprio ego. Como a gente bem sabe, muita coisa acontece em decorrência disso, muitas perdas e decepções. Não obstante, a humildade em excesso, como aquela que consumiu Kote, o hospedeiro, também não é boa coisa. O que falta tanto a Kvothe quanto a Kote é o equilíbrio entre arrogância e humildade.
Capítulo 40 – No chifre
E Kvothe vai para o Chifre. Mal pôde saborear sua vitória (e o jantar): ainda no mesmo dia, porém pela noite, o garoto é convocado à sala dos professores. A notícia do que fizera com Hemme percorrera toda a Universidade, mas a admiração dos estudantes não seria capaz de poupá-lo de uma punição. Assim, logo após o jantar (pois Kvothe se recusa a deixar a refeição pela metade, após tantos anos passando fome em Tarbean), o garoto se encontra diante dos mestres da Universidade.

Após a "chamada" dos mestres, para atestar que todos estão presentes, o Reitor declara as infrações cometidas por Kvothe e suas respectivas penas. Tendo ouvido tão somente Hemme e sua versão tendenciosa dos fatos, a acusações são as seguintes: uso não autorizado de simpatia (com pena de no mínimo 02 açoites e no máximo, 10) e violação das normas (no mínimo 04 chicotadas e no máximo 15, além de expulsão da Universidade). Como Hemme foi o ofendido, ele escolhe quantas chicotadas serão aplicadas: treze. Se Kvothe não houvesse, após o choque, recordado as palavras de Abenthy e erguido o Coração de Pedra ao seu redor, essa de fato seria sua punição, além da expulsão.
Essas palavras mexeram com alguma coisa dentro de mim. Eram as mesmas que Ben havia usado centenas de vezes, ao me questionar incessantemente numa discussão. Suas palavras me voltaram à lembrança, numa admoestação: Como? Nenhuma defesa? Qualquer aluno meu deve ser capaz de defender suas idéias contra um ataque. Não importa como você leve sua vida, sua inteligência o defenderá melhor do que uma espada. Trate de mantê-la afiada!
Tornei a respirar fundo, fechei os olhos e me concentrei. Após um longo momento, senti a fria impassibilidade do Coração de Pedra me envolver. Meu tremor cessou.
E então Kvothe começa a argumentação para salvar a própria pele. Com toda a turma tendo presenciado os fatos e podendo corroborar o que está dizendo, ele afirma que foi Hemme quem lhe chamou para dar a aula, e autorizou-o a usar simpatia. Aliás, foi o próprio mestre quem cedeu um fim de cabelo, deixando claro, com essa atitude, que não se importava em ser usado como exemplo na aula improvisada. Após certo debate, por maioria de votos chega-se à decisão de retirar as acusações anteriores e substitui-las por uso temerário da simpatia, cuja pena Hemme escolhe como três chicotadas. Kvothe, ainda envolvido pelo Coração de Pedra, não reage muito a essa informação.
Aproveitando a ocasião, o garoto relembra o Reitor da condição que este impôs em seu exame de admissão para que entrasse no Arcanum: assim seria tão somente se Kvothe comprovasse o domínio dos princípios básicos da simpatia. Impressionou até mesmo Kilvin, o Simpatista-Mor, pois fez uma conexão dupla, coisa que muitos membros antigos do Arcanum sequer eram capazes de fazer.
Em suma, corda suficiente. Corda suficiente para Kvothe enforcar a si mesmo, uma vez que ainda assim recebeu punição pelo que fez, e corda suficiente para Hemme enforcar-se, pois embora tenha conseguido prejudicar Kvothe, assegurou também que o garoto entrasse no Arcanum em seu primeiro período.
O resto do capítulo mostra Kvothe sendo recepcionado no quarto andar do Cercado, cumprimentado por todos os demais alunos do primeiro período, felizes por sua primeira conquista. Não muito depois, surgiu um encarregado do terceiro andar (onde ficam os membros do Arcanum) avisando que Kvothe deveria passar a dormir lá, o que o garoto faz após arrumar os parcos pertences. A diferença entre os ambientes é gritante: nenhum sorriso ou recepção animada. Os membros antigos do Arcanum estão ressentidos com aquele garoto que mal chegou à Universidade e já está ali, com eles.
De qualquer forma, pode-se afirmar que as aventuras de Kvothe oficialmente acabaram de começar.

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