Viver sem ler é perigoso.

Resenha || Menina Má - A enervante história de Rhoda Penmark



  Título do Livro: Menina Má
  Autor: William March
  Editora/Tradução: DarkSide Books/Simone Campos
  Páginas: 272
  Ano de Publicação: 2016
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  Livro cedido em parceria com a editora.

  
Sinopse Rhoda, a pequena malvada do título, é uma linda garotinha de 8 anos de idade. Mas quem vê a carinha de anjo, não suspeita do que ela é capaz. Seria ela a responsável pela morte de um coleguinha da escola? A indiferença da menina faz com que sua mãe, Christine, comece a investigar sobre crimes e psicopatas. Aos poucos, Christine consegue desvendar segredos terríveis sobre sua filha, e sobre o seu próprio passado também.


Christine Penmark mudou-se recentemente de Baltimore para uma cidadezinha onde todos aparentemente se conhecem. O marido, que viaja durante todo o livro, trabalha em uma empresa que exige essas mudanças esporádicas. Junto com sua filha, Rhoda, Christine é a novata na cidade. É assim que o livro começa: mostrando o seu cotidiano.

 
Rhoda é uma garotinha adorável de 8 anos. Muito madura para a idade, é tão independente que por vezes preocupa a mãe. Plácida e inteligente, sabe de cor como reagir a cada situação e conquistar os amores de quem está ao seu redor – pelo menos dos adultos, pois crianças no geral nunca a suportaram.
A história do livro começa quando Rhoda não ganha em sua escola uma medalha de ouro destinada à criança cuja caligrafia mais havia se aperfeiçoado no decorrer do ano. Quem a leva para casa é Claude Daigle, seu colega de classe, o que a deixa indignada. Monica Breedlove, uma vizinha que se rendeu totalmente aos encantos da garota e é uma constante na obra, representando toda a futilidade da época, tenta consolá-la, mas ela está resoluta: aquela medalha lhe pertence.

“Ela era minha”, teimou Rhoda. “A medalha era minha”. Seus olhos castanho-claros redondos arregalavam-se ao máximo, estáticos. “Era minha. A medalha era minha.”

No dia seguinte à premiação, quando a turma de Rhoda sai em excursão para um piquenique, Claude Daigle morre afogado. Rhoda foi a última pessoa vista ao lado do garoto quando ele estava vivo, mas é concisa em dizer que não teve nada a ver com a morte. Olha nos olhos da mãe e, tranquila, jura que não fez nada. É nesse momento que o alerta de Christine se acende: como uma criança que presenciou a morte e tentativa de resgate de outra pode estar tão distante e fria?

Rhoda, suportando o toque da mãe, falou, surpresa, que não estava nem um pouco perturbada. Na verdade, ela tinha considerado a busca pelo corpo e a tentativa de ressuscitação uma verdadeira aventura, pois nunca tinha visto nada assim antes.


A história gira em torno desse acontecimento. O primeiro deslize de Rhoda, ou a primeira vez em que Christine se esforça para ver as coisas como elas realmente são. A medalha de ouro que estava desaparecida desde a morte de Claude é encontrada na gaveta de Rhoda e é a partir daí que a Sra. Penmark resolve arregaçar as mangas e investigar não apenas o passado da filha, mas também o seu próprio.
Uma coisa muito interessante que eu notei é que a personagem é tão inocente dentro de sua própria crueldade, tão distante das emoções que norteiam nossas relações sociais, tão nova para ser ardilosa como serial killers adultos, que comete deslizes tentando não cometê-los. Ela sabe, por exemplo, que seu sorriso adorável que exibe uma única covinha é infalível quando as coisas parecem ruins para o seu lado, bem como oferecer uma “cesta de beijinhos” aos pais. Mesmo agora, quando se encontra diante de uma situação diferente do que está acostumada, ela tenta utilizar-se dessas artimanhas para conseguir driblar a mãe. E incapaz de entender e sentir amor, acaba por fazer perguntas naturais para quem desconhece o sentimento, como por exemplo: “Se a mãe de Claude quer tanto um garotinho, por que não pega um no orfanato?”. Em resumo, ela não está sendo má: está sendo apenas ela mesma.

A menina percebeu a reprovação repentina da mãe – que era totalmente inexplicável para ela – e então, como forma de recuperar o terreno perdido, encheu a bochecha materna de furiosos beijinhos. “Ah, eu adoro a minha mãe!”, disse ela. “Conto para todo mundo que eu conheço que adoro minha mãe!”.




Além de Christine e Rhoda, temos a já mencionada Monica Breedlove, que está na trama como alguém que se tornou totalmente refém dos encantos e falsidades da garota. Leroy, o zelador do prédio onde vivem, no entanto, sempre nutriu suspeitas acerca da personalidade de Rhoda (além de, no fundo, parecer desejá-la). Se no início eram apenas suposições sussurradas aqui e ali para tentar tirar Rhoda do sério, no final a própria garota acaba confirmando cada uma delas. Quando Leroy percebe que está diante de um verdadeiro monstrinho, decide se afastar, mas aí já é tarde demais.
Christine culpa a si mesma por cada atitude de Rhoda ao descobrir mais sobre o próprio passado, e promete que irá proteger a filha (o que inclui acobertar seus assassinatos) a qualquer custo, pois esse é o seu papel de mãe. Kenneth Penmark, o pai, não toma ciência de nada disso, pois apesar de escrever cartas quase que diariamente exprimindo seus anseios para o marido, Christine nunca as envia. Rhoda, a partir do momento que sabe que sua mãe a conhece de verdade, já não se importa em fingir nada dentro de casa, especialmente que a ama – porque essa é a verdade: ela nunca a amou. O final me surpreendeu, pois é um rumo que você jamais imagina que a história tomaria, e definitivamente me deixou querendo mais.

O trabalho de pesquisa realizado por William March nessa obra foi metódico (além de a narração ser espetacular). Gostei ainda mais do livro por saber que o autor inspirou-se em Belle Gunness para montar um dos personagens e justificar a personalidade de Rhoda (se você conhece um pouquinho do assunto, como eu, fica feliz em descobrir a inspiração só de ler o livro: fiquei super empolgada!). A narrativa de March retrata com cuidado a mente de uma mãe aterrorizada ao descobrir que a própria filha é um monstro, porém ele não esquece do ambiente externo: Christine enfrenta não apenas o dilema do que fazer com a filha, mas a batalha pessoal para manter as aparências e não levantar suspeitas da sociedade ao seu redor. March conseguiu conduzir isso com maestria. Foi seu último romance antes de morrer, mas também o único que deu certo – e como deu. Se eu tivesse de convencê-lo em poucas palavras, diria que deve ler esse livro por um simples motivo: irá me agradecer no final.
Ainda não assisti a adaptação, The Bad Seed (A Tara Maldita), mas só de ver algumas imagens do filme posso dizer que Patty McComarck encarnou perfeitamente a personagem da Rhoda e mereceu a indicação ao Oscar. Não tem nada mais Rhoda Penmark do que esse olhar:


Um pouco mais sobre crianças "psicopatas"


Crianças psicopatas existem? Lendo um pouquinho sobre o assunto aprendi que não podemos chamá-las de psicopatas, até porque é quase impossível distinguir a travessura da crueldade nessa faixa etária. Todos nós já fomos travessos, e algumas crianças foram um pouquinho travessas demais (talvez chegando até para o lado da crueldade), mas não somos psicopatas ou assassinos em série hoje em dia. Você, por exemplo, ter jogado seu pintinho da janela do segundo andar quando tinha apenas três anos de idade, pensando que ele podia voar, não induz crueldade, e sim uma incompreensão natural. A culpa não foi sua e sim de quem permitiu que você ficasse a sós com um bichinho tão vulnerável. No entanto, se aos 12 anos você decapita um cão porque o acha irritante (e isso é mais comum do que imaginamos), já podemos falar de um nível de crueldade incompreensível. Essa segunda atitude faria parte do transtorno de conduta, que quando diagnosticado em uma criança pode ser um forte indicativo de que no futuro ele(a) terá o transtorno da personalidade antissocial (a psicopatia em si). Mas até que complete 18 anos, segundo a Associação Americana de Psiquiatria, não podemos dizer que é psicopata.
Então, voltando ao livro, podemos dizer que Rhoda possui transtorno de personalidade antissocial? Não. Mas ela com certeza possui o transtorno de conduta, caracterizado em tantos momentos da trama: quando mente deliberadamente, quando é cruel, quando persegue e intimida Claude Daigle, quando age de modo a cativar quem está por perto para tentar se livrar de qualquer prejuízo... Ela é tudo o que precisa para no futuro, se tornar uma serial killer.





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