Game of Thrones: história para meninos?
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Um dia desses saí com uma amiga. Não nos víamos há alguns meses, e o jantarzinho despretensioso foi o pretexto perfeito para nos encontrarmos para colocar a conversa em dia. É exatamente aquele tipo de saída que mais gosto — quando você chama, a pessoa confirma e algumas horas mais tarde, estão ali, cara a cara, se divertindo.
Nosso reencontro foi legal. Rimos e conversamos bastante, além de tirar algumas fotos para registrar aquele dia. Algum tempo depois, o próprio dono do estabelecimento se juntou a nós na conversa. Era o namorado de minha amiga, então não foi nenhuma surpresa.
Conversa vai, conversa vem; eu estava ali, metade de minha mente consciente de que estava segurando vela, enquanto a outra metade pensava na estreia da sétima temporada de Game of Thrones. Então surgiu a ideia: por que não sugerir ao dono do estabelecimento que exibisse a estreia da tão ansiosamente aguardada temporada de uma das séries mais lucrativas dos últimos tempos?
“Não. Game of Thrones é coisa para meninos, aqui a gente só exibe coisa de homem”.
“Não. Game of Thrones é coisa para meninos, aqui a gente só exibe coisa de homem”.
Inspira. Respira. Nesse momento, o tempo reduziu a velocidade até que tudo quase parou. Senti-me naquela cena do Mercúrio ao som de Sweet Dreams. Tantas coisas passaram por minha mente que eu não consegui processar nenhuma a ponto de verbalizar. Permaneci calada. Sangue nos olhos? Talvez. Fiquei remoendo meus pensamentos: eu deveria responder à altura ou praticar a política da boa vizinhança? Uma dúvida vagarosamente se insinuou em meu cérebro: “será que essa pessoa acompanha redes sociais ou pelo menos vive em 2017?”.
Sério. Eu só relevaria essa resposta tão estapafúrdia se a desculpa incluísse uma viagem no tempo a bordo de um DeLorean modificado por um cientista meio amalucado chamado Emmet Brown. Vamos tentar esclarecer algumas coisas, então?
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Great Scott! Você realmente disse isso, cara? |
Game of Thrones não é para crianças
Esse é um ponto que muita gente parece não entender. Aparentemente as cenas de dragões são suficientes para induzir todo mundo que não acompanha a série à conclusão (erradíssima) de que, por possuir fantasia, é voltada ao público infanto-juvenil. Ledo engano. Acredito que em alguns episódios de Game of Thrones, aliás, exista mais cenas de nudez do que naqueles pornôs de cinco minutos que você, que julga tão levianamente, costuma assistir no intervalo do trabalho.
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Eu não acredito que esse seja exatamente o tipo de cena que você queira que seu(a) filho(a) de dez anos esteja assistindo. |
Em outras palavras, se você tem uma criança em casa e acha que pode autorizá-la a assistir Game of Thrones só porque tem alguns dragõezinhos saltando da tela e “certamente deve ser para crianças”, posso apostar que se arrependerá quando descobrir do que, de fato, a série trata.

Não estou aqui para dizer que quem assiste a série é um gênio de QI acima da média, ou que quem lê os livros é o próximo Einstein. Não. Mas aqueles que, como eu, dedicaram alguns dias (ou meses) de suas vidas a esse universo e a tentar compreendê-lo com certeza concordará comigo: Game of Thrones é complexo. Você não senta diante da sua TV para assistir o segundo episódio da primeira temporada e, no dia seguinte, o terceiro episódio da quarta. Bom, você pode até fazer isso, mas com certeza não entenderá nada do que aconteceu/está acontecendo.
Isso acontece porque Game of Thrones é uma série com uma dinâmica implacável. Perder um único episódio significa se perder na série inteira. Não é, por exemplo, como Supernatural — cujos episódios já assisti com grandes intervalos sem que a compreensão geral do que estava acontecendo ficasse prejudicada.
Com os livros, então, você precisa ter cuidado redobrado. Não é incomum me deparar com leitores de As Crônicas de Gelo e Fogo que se utilizam de todos os artifícios possíveis para conseguir fazer uma leitura proveitosa: desde marcadores adesivos nas páginas até anotações em blocos de notas. É fácil se perder naquele mar de palavras, e não raro ter de voltar algumas páginas porque, mesmo colocando toda a sua atenção na história, de vez em quando você perde um detalhe ou dois.
A complexidade de Game of Thrones, aliás, é um de seus pontos fortes. Por muito tempo eu entendi que gostava do hábito da leitura pelo fato de me sentir distante do mundo real enquanto lia. Portanto, livros com muita fantasia e finais felizes, a la Harry Potter, sempre foram meus favoritos. George R. R. Martin modificou (e muito) esse quadro quando seus livros se tornaram populares. Sim, há espaço em nossos corações para as fantasias que já nos conquistaram, mas o anseio por literatura mais madura com um quê de mundo real tornou-se latente. Agora personagens cinzas são aclamados, e a fantasia convive em pé de igualdade com o mundo real. Sim, há dragões, mas também há todo o tipo de desgraça e egoísmo que só o homem é capaz de proporcionar — e, é claro, muita política.
Game of Thrones para meninos? Os números discordam
Em conversa recente com uma colaboradora de uma página brasileira de Game of Thrones, que atualmente conta com mais de 400 mil curtidas, solicitei alguns dados referente a quem acompanha a página.
Uma das descobertas mais interessantes foi saber que, por uma margem mínima, há mais mulheres do que homens na página: 51% contra 49%. O Facebook exibe não apenas dados referentes ao sexo das pessoas, mas também quanto à idade. Caso optássemos por entender a afirmação do nosso colega, lá no início do texto, de que Game of Thrones é uma série para meninos, os números apontariam o contrário. Entre os milhares de seguidores da página, apenas 9% são de jovens abaixo dos dezessete anos de idade. Somando, vemos que 90% dos curtidores são homens e mulheres entre os 18 e 44 anos de idade, enquanto os 1% restantes englobam pessoas dos ambos os sexos acima dos 45. Uma página do Facebook já demonstrou o quanto nosso colega está equivocado.

Aliás, peguemos um exemplo mais prático: o meu ex-chefe no antigo estágio. Na casa dos trina anos, exerce um cargo de renome e seriedade, do tipo que muitos estudantes da área almejam alcançar um dia (inclusive aquele que fez o comentário infeliz). Não perde absolutamente nenhum episódio de Game of Thrones, em nenhuma das temporadas. Toda segunda-feira, feliz por estar em um ambiente em que todos curtiam a mesma série que eu, discutíamos o episódio anterior e teorizávamos. E, pasme, eu era a pessoa de menor idade no local. Todos os outros, maduros e com a vida feita. E fãs de Game of Thrones, do tipo que leram os livros mais de uma vez e ansiavam por um exemplar de Mundo de Gelo e Fogo, lançamento da época.
Bom, não cometerei a pretensão de afirmar que Game of Thrones e seus livros são um universo à parte que demanda compreensão tão somente das mentes mais inteligentes. Não. Os livros estão ali, bem como a série, ao seu alcance. Tudo bem que a Constituição Federal cristalizou, em seu art. 5º, IX, a garantia da liberdade de expressão, e você é totalmente livre para gritar sua opinião aos quatro cantos deste mundão, não apenas sobre a série e os livros, mas sobre tudo aquilo que lhe apetecer. Mas não espere que as pessoas fiquem caladas. Quero dizer, eu sei que eu fiquei no momento oportuno — mas aí é outra história, envolvendo a política da boa vizinhança e falta de paciência. Se você nunca tentou assistir ou ler qualquer coisa sobre Game of Thrones, até pode (mas não deve) fazer comentários semelhantes. E é aquela história, né? Quem fala o que quer, ouve o que não quer.

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