Viver sem ler é perigoso.

#RelendoKvothe || Releitura de O Nome do Vento – Parte 8

Opa! Parece que quem é vivo sempre aparece, certo? E o Me Livrando voltou. Eu voltei. O #RelendoKvothe voltou. Podemos comemorar de pé, né não?
Mas, claro, eu sempre dou justificativas sobre o meu sumiço. Isso nem é necessário, para falar a verdade, mas eu tenho grande consideração por vocês e me senti especialmente culpada por ter deixado o blog de lado por tanto tempo. Infelizmente, entre viagens, provas, TCC e problemas de saúde, eu não tive muita escolha. Porééém, vamos deixar isso para lá e focar no que importa: a análise dos capítulos 71 ao 80. Tem muita coisa boa sim, senhor(a)!


Capítulo 71 – Estranha atração

O capítulo 71 começa com Kvothe de posse de vinte talentos. Milagre divino? A sorte está retornando? O rapaz está rico de novo? Longe disso. Trata-se do empréstimo feito com Devi, que custou-lhe o alaúde como garantia e uma promessa que ele nem sabe se irá cumprir (a famigerada entrada para o Arquivo).
Ainda determinado a ir a Trebon para colher mais informações sobre o casamento e o Chandriano, boatos que ouvira mais cedo, o ruivo compra um cavalo com quase toda a grana que conseguiu emprestada. O animal pelo menos parece ser forte o suficiente para percorrer os 110 quilômetros que separam Kvothe de Trebon, e assim ambos começam sua jornada.

― Você fez um longo percurso. Deve ter um nome orgulhoso, para que as pessoas não o considerem um animal comum. Seu dono anterior era cealdo? ― perguntei. ― Ve vanaloi. Tu teriam keta. Palan te?
Percebi que ele relaxou um pouco ao som da língua conhecida. Fui para seu outro lado, sempre examinando-o atentamente e deixando que se habituasse à minha presença.
― Tu Ketha? ― perguntei-lhe: Você é o carvão? ― Tu mahne? ― Você é uma sombra? Eu queria dizer “crepúsculo”, mas não consegui me lembrar da palavra em siaru.
Em vez de parar, continuei tagarelando, fingindo falar siaru da melhor maneira possível enquanto lhe examinava os cascos para ver se estavam lascados ou rachados.
― Tu Keth-Selhan? ― Você é o cair da noite?
O grande corcel negro baixou a cabeça e me cutucou com o focinho.
― Você gosta desse, não é? ― comentei, meio rindo, por saber que na verdade ele farejara o embrulho das maçãs secas que eu tinha guardado num dos bolsos da capa. O importante era ele ter uma certa familiaridade comigo nesse momento. Se ficasse à vontade o bastante para me cutucar e pedir comida, poderíamos entender-nos suficientemente bem para um dia de cavalgada firme.

Riding Keth-Selhan por dejan-delic.


O capítulo não trouxe novidades nem nada muito interessante, exceto talvez o momento em que Kvothe descobre que foi enganado ao comprar o cavalo, e o encontro que tem com um latoeiro. Ciente de que Keth-Selhan traria mais despesa do que qualquer outra coisa, Kvothe troca o animal por um punhado de utilidades com o latoeiro. E assim ambos seguem seu caminho.
Aliás, sobre essa parte do engano: não é curioso que Kvothe tenha tentado chamar Keth-Selhan por um nome – no caso, Crepúsculo – e sem querer tenha acertado o verdadeiro nome do animal, que combina com sua condição física? Pois é. Seria uma forma meio involuntária de Nomear? Seria o nome do animal vindo inconscientemente à mente de nosso jovem Kvothe, demonstrando que ele tem mais poder sobre essa arte do que imagina?
Suposições. Geralmente não nos levam a lugar algum, mas aqui neste blog elas regem o nosso mundo. Então fiquem matutando aí.


Quando enfim chega em Trebon, o garoto nota que talvez não seja tão fácil conseguir informações sobre o casamento fatídico porque ninguém parece muito solícito a falar sobre ele – como se evitando atrair pra si a desgraça ocorrida. Com um pouco de ajuda divina e deus ex machina, porém, Kvothe vê cair diante de seu colo a oportunidade de conversar com a única sobrevivente do massacre no casamento, que por acaso está na estalagem em que parou e é ninguém menos que Denna.
Sim, ela foi a única a sobreviver a um casamento em que todos os outros foram dizimados pelo Chandriano. E depois vocês ainda estranham quando eu falo sobre minhas suspeitas de que ela só pode ser aliada de um desses caras...


Capítulo 72 – Mordzulmo

Não é engraçado que Kvothe largou toda a sua vida, todo o seu futuro, para sair correndo atrás de boatos que nem tinha certeza se poderiam ser reais? Pois é. Aí você tem uma noção do quanto esse assunto do Chandriano é importante para o garoto, né? Nossa. Ele realmente estava bem ansioso e sedento por saber o que ocorreu. Largou tudo do nada! De fato bem interessado no assunto...
Até a Denna aparecer. De repente ele esquece tudo. Eu acho que os olhos dela funcionam mais ou menos como aquele aparelhinho utilizado pelos Homens de Preto. Ele é quem começa a evitar o assunto, não querendo questionar sobre o ocorrido. Mas também, pra quê, né? Ele nem saiu que nem um amalucado em direção a Trebon para descobrir qualquer coisa do gênero mesmo... 

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Toda vez que Denna olha para Kvothe...
O desdém na voz de Denna me fez engolir minhas próprias perguntas tão depressa que por pouco não prendi a língua entre os dentes. É da minha natureza fazer perguntas, para não mencionar que todo o objetivo daquela corrida louca para os sopés das montanhas tinha sido investigar o que acontecera.

“Ai, Celly, até com isso cê vai encrencar?” Sim! Porque aqui é o Me Livrando e eu sou a Celly. Uma espécie de contrato comigo mesma me impede de ser condescendente com as atitudes e simples existência da Denna. Desculpem, Denna-lovers, aqui é #TeamAuri.
Depois que Denna e Kvothe se encontram, resolvem ir à fazenda dos Mauthen (que foi o lugar onde toda a treta com o Chandriano aconteceu e, caso eu não tenha deixado claro, Denna foi a única sobrevivente). Pegam carona com um carroceiro que os deixa em Mordzulmo – ou, em linguagem não-caipirês, Morro dos Ulmos. Assim Kvogthe pensa.
É nesse lugar que travam a primeira conversa sobre o Mestre Freixo. Ou Freixo Gris, como Denna o chama mais adiante. Nome curiosamente similar ao de Gris, do Chandriano, não?

Caso você tenha esquecido a face do mal, opa, do Gris, é este aqui. Arte por Spellsword95.
― Sigiloso não é nem metade da história ― disse Denna, revirando os olhos. ― Uma vez, uma mulher me ofereceu dinheiro para lhe dar informações sobre ele. Banquei a boba e depois, quando lhe falei disso, ele me contou que tinha sido um teste para ver até que ponto eu era digna de confiança. Noutra ocasião uns homens me fizeram ameaças. Desconfio que foi outro teste.


Aliás, vamos nos deter um pouquinho mais aqui. Como você viu acima, o potencial mecenas de Denna realmente leva a sério a ocultação do seu nome real. Imaginemos a cena: ele é do Chandriano, e acaba dizendo à menina como se chama. Então ela comenta por aí com alguém, como por exemplo Kvothe. E de repente, aquele cara mais ensandecido na história, louco para liquidar o grupo tem, em seu poder, o nome de um deles. Não seria uma baita ironia do destino?
Ah, há mais motivos para eu acreditar que Mestre Freixo tem a ver com Gris. Primeiro que em inglês, o original é Master Ash – e Ash nos remete tanto à freixo (em inglês, árvore de freixo é conhecida como ash tree) quanto às cinzas. O nome do Gris (do Chandriano) em inglês é Cinder, que significa cinzas também. Você percebe a conexão?
Além disso, poderia o próprio Vento estar dando a dica? Afinal, Kvothe só decide com Denna chamar o mecenas misterioso de Mestre Freixo porque uma folha da árvore voa inesperadamente, empurrada pelo vento, na direção de sua boca. Se lá em cima, com Keth-Selhan, ele pode ter praticado uma espécie de Nomeação inconsciente, quem garante que aqui não foi o Vento dando uma ajudinha?
Por último, mas não menos importante, a própria Denna afirma que só esteve na fazenda dos Mauthen para o casamento em razão de ter sido convidada pelo Mestre Freixo. Suspeito. Suspeito DEMAIS. O suspeitômetro está quase explodindo aqui, minha gente.


Enfim, Denna e Kvothe começam a conversar sobre o que de fato aconteceu. A garota conta que depois de tocar na cerimônia, ficou aguardando pelas próximas coordenadas do Mestre Freixo. Ele reapareceu, levou-a para o bosque (sempre fazendo perguntas sobre a festa, quem estava no local etc.) e depois ausentou-se. Denna decidiu voltar ao casamento e ali encontrou o inferno em forma de chamas azuis. É o que ela diz, pelo menos.
Ah, sim. São chamas azuis. Bingo.

A marca registrada do grupo (e também do dracus, né?).

Além disso, Kvothe também tem a certeza de que Denna está mentindo sobre os machucados que tem espalhados pelo corpo, quando afirma que deve ter se batido enquanto fugia do casamento em chamas. E, bem, se ela está mentindo sobre isso, minha teoria sobre estar mentindo sobre todo o resto não parece tão absurda assim.

Levantou-se meio trôpega enquanto eu guardava a garrafa na sacola de viagem, observando-a pelo canto do olho. Eu havia trabalhado na Iátrica durante quase um ano. Denna levara uma pancada tão forte na têmpora esquerda que ficara com um olho roxo e um hematoma que passava muito da orelha, avançando pelo couro cabeludo. O braço direito estava enfaixado e, por sua maneira de andar, calculei que ela também tinha uns machucados sérios no lado esquerdo do corpo, se não umas costelas quebradas. Se ela se esborrachara numa árvore, devia ter sido uma árvore de formato bem estranho.
Mesmo assim, não expus essa ideia. Não a pressionei. Como poderia? Eu também sabia o que era ter segredos.

Eles andam juntos pelos destroços da casa, com Kvothe comentando uma ou duas vezes sobre a precária qualidade do material das portas e janelas e certo de que está deixando escapar alguma coisa. Quando está prestes a ir embora e desistir, ele recorda da noite fatídica em que perdeu a família – e vê que todos os sinais, os mesmos daquele dia, também estão ali.

Num lampejo súbito, lembrei-me de quando voltara para minha trupe e a encontrara morta, muitos anos antes. Lembrei-me de ter estendido a mão para me apoiar e constatado que as sólidas ferragens da roda de uma carroça estavam apodrecidas pela ferrugem. Lembrei-me também da madeira grossa e sólida se desfazendo em pedaços quando a toquei.

A ficha cai aos poucos quando nota que de fato o Chandriano estivera ali um dia antes. E da mesma forma que ele estava com a sensação de que deixava alguma coisa passar, eu me sinto igual. Sério. Eu sei que não é coincidência o massacre no casamento, especialmente estando tão próximo de Kvothe a ponto de ele ouvir falar sobre e ir até lá. Isso tem que ser armado.

Isso foi o que restou do casamento. Barrow Hill, por Xelgot.

Ah, parte do diálogo que Kvothe tem com Denna me deixou ainda mais com a pulga atrás da orelha. “Você nunca está onde eu a procuro, e depois aparece do modo mais inesperado”. Não é uma descrição que, de modo mais mórbido, também se aplica ao Chandriano?

― As duas coisas. Oculta, valiosa, muito buscada e raramente encontrada ― respondi. Fitei-a, a cabeça mal atentando para o que me saía da boca. ― Também há muito de fada em você ― afirmei. Eles eram reais. O Chandriano era real. ― Você nunca está onde eu a procuro, e depois aparece do modo mais inesperado. Feito um arco-íris.

Eles ficam procurando sinais de Mestre Freixo a partir do último lugar em que Denna o viu, o que não dá em nada. Um trechinho final desse capítulo, a propósito, me fez sentir um pouco de pena de Kvothe... Confesso que eu ri.

Depois sentamo-nos numa pedra, com os pés balançando dentro d’água e desfrutando a companhia um do outro enquanto descansávamos. Dividimos uma maçã, passando-a para lá e para cá entre uma mordida e outra, o que é bem parecido com beijar para quem nunca beijou ninguém.


Capítulo 73 – Poicos


Depois de jogarem tempo fora e comerem maçãs, Kvothe ouve um farfalhar próximo e diz que vai investigar sozinho. Denna rebate:

― Vai uma ova ― murmurou Denna, com o rosto pálido à sombra dos pinheiros. ― Foi exatamente isso o que disse o Freixo Gris ontem à noite antes de ir embora. Raios me partam se também vou deixá-lo desaparecer.

Mas calminha aí, camarada. Quem aqui falou em Freixo Gris? Eu? Kvothe? Tehlu? O leitor do Me Livrando? Não, foi você mesmo, Denna. Por quê? Teria sido um deslize e demonstrativo de que todo aquele papo de “não-sei-quem-é” é baboseira, e que a garota na realidade sabe muito bem que o Mestre Freixo é Gris, do Chandriano? Suspeito... Decididamente suspeito.
Após uma breve interação em que Kvothe confunde o farfalhar com a aproximação de um javali selvagem, assumindo uma posição de defesa cômica, e descobre que Denna anda armada por aí para se proteger (nisso eu não a julgo, inclusive adoraria ser igual, pois alguns homens do nosso mundo insistem em ser irritantemente bruscos), os dois ouvem um senhorzinho chamado. Não é um javali selvagem ali próximo, mas sim uma porca, e o dono dela a está chamando. Ou melhor, o dono dos poicos. Sim, o título do capítulo faz referência ao caipirês de porcos.
Esta é uma daquelas partes que eu gosto de destacar, quando vejo o Kvothe sendo humano de forma totalmente inconsciente. Aqui, por exemplo, apesar de pensar estar assumindo um papel, adaptando seu dialeto ao do caipira/tratador de porcos que encontram, eu vejo muito mais do que isso. Recordando a infância e as lições aprendidas com os Edena Ruh, ele faz o senhorzinho se sentir totalmente à vontade e entre amigos. Acho isso tão bonitinho.
Mas a conversa não mostra só esse lado bacana que eu gosto em Kvothe. Também permite ao garoto descobrir um pouco mais sobre o que ocorreu no casamento – ou melhor, um pouco mais sobre a família Mauthen. Scheim, o senhor dos porcos, conta que os Mauthen escavaram o terreno do casamento para construir uma casa para a filha da família, até que se depararam com um túmulo. Ainda assim, porém, continuaram cavando, erguendo a casa com as pedras do túmulo; também falou sobre os boatos que diziam que o Sr. Mauthen havia encontrado uma espécie de quarto secreto nas escavações, e poucas pessoas sabiam o que de fato era e o que havia lá dentro. Por fim, diz que dois dias atrás viu irromper no norte, por três vezes, grandes explosões de chama azul. Sendo que o massacre no casamento ocorrera no dia anterior...
Depois de se despedirem do caipira, Kvothe e Denna decidem voltar ao que restara do casamento/casa. Eles entendem e percebem que ali não há túmulos, e sim os restos de uma fortificação, cujos “calombos” poderiam muito bem ter sido interpretados como túmulos por pessoas que nunca haviam visto um.

― Não há nenhum túmulo por aqui. As pessoas constroem túmulos em Vintas, onde isso é tradicional, ou em locais baixos e alagadiços, onde não se pode cavar uma sepultura. É provável que estejamos a uns 800 quilômetros de um túmulo de verdade.
Cheguei mais perto da sede da fazenda.
― Além disso, ninguém usa pedras para construir túmulos. Mesmo que usasse, não seriam pedras lavradas e acabadas como essas. Isso foi trazido de muito longe ― afirmei, passando a mão pelas pedras cinzentas e lisas da parede ― porque alguém quis construir uma coisa que durasse. Uma coisa sólida. ― Virei de frente para Denna.

Claro que essa descoberta traz uma série de outras implicações, mas isso com certeza é assunto para o segundo livro, quando novamente voltaremos por aqui. Até porque eu não vou comentar sem estar com as coisas frescas na memória, né? Ninguém merece teorizar de modo absurdamente fora do real... Exceto se for sobre Denna.



Capítulo 74 – Marco do Percurso


Ah, com certeza a coisa mais interessante do capítulo, dispensando toda aquela parte do casal feliz acampando junto às proximidades de monólitos cinzentos (ou Marcos do Percurso, como os Edena Ruh chamam), é o aparecimento de um dragão. Está longe de ser como nós conhecemos, aquela noção europeia já consolidada, mas ainda assim é bem empolgante. Vemos pela primeira vez um dracus. Empolgante para o Kvothe e, por que não?, para a gente também.

Commom Draccus por Santi Martín.

Por outro lado, ocorreu-me uma coisa durante esta releitura que tornou a presença do draccus uma coisa decepcionante. Porque assim, sempre há a explicação legal e a explicação entediante para algumas coisas da vida. Por exemplo, para o massacre no casamento a explicação legal é dizer que resultou de um ataque do Chandriano. Já a explicação entediante... E se for tudo culpa de dracus maluco? Sim, eles são herbívoros, mas e se aquele ali em particular resolveu atacar humanos? Porque faz sentido, se você parar para pensar. Dois dias antes, Scheim viu chamas azuis ao norte. No dia anterior, um casamento foi deixado em pedaços e a única sobrevivente supostamente não presenciou qualquer ataque, restando apenas chamas azuis para contar a história. E aí, como fica?
 Mas me diga você. Prefere a explicação empolgante ou a crível, porém entediante?


Capítulo 75 – Interlúdio: Obediência


Provavelmente um dos interlúdios mais curtos. Levando em conta que cada interlúdio é uma interrupção na história contada por Kote/Kvothe, já na Pousada Marco do Percurso tantos anos mais tarde, esta interrupção foi feita apenas para que o ruivo pudesse questionar e provocar o Cronista. Afinal, ele é Devan Lochees, e também autor de Os hábitos de acasalamento do Dracus comum... Kvothe o provoca, chamando o animal de dragão e esperando uma correção. Qual o propósito disso? Não sei. Pareceu-me pura birra mesmo.

― Vem do Devan Lochees que concordou em não interromper nem alterar uma só palavra da história que está registrando ― disse o Cronista, depondo a pena e massageando a mão. ― Porque foram essas as únicas condições em que ele poderia ter acesso a uma história que desejava muito.


Capítulo 76 – Os hábitos de acasalamento do Dracus comum


O capítulo também é curto, mostrando apenas as reações de Kvothe e Denna ao deparar-se com um dracus comum de cinco toneladas que chafurda-se nos restos da fogueira dos dois como um porco chafurda na lama.
Após verificarem que o animal, embora raro, gigante e um pouco assustador, não oferece real perigo, Denna cai no sono enquanto Kvothe a observa. Até que é uma ceninha bonitinha, mas imaginem o quanto seria lindo com Auri ali.
Mentira. Vamos parar de forçar a barra. Auri ali não teria nada a ver.
Ok, próximo capítulo.

Kvothe and Denna (vendo o dracus), por Vichuis.


Capítulo 77 – Penedos


Este capítulo é extenso, mas eu gosto bastante dele. Pareceu-me um pouco sem propósito ter tantas páginas, por isso aqui as resumo para você: Denna e Kvothe resolvem seguir na direção de onde as chamas azuis que viram vieram na noite anterior e descobrem que há uma plantação de ophalum por ali, além de rastros deixados por um dracus enlouquecido. Há também um corpo em decomposição, que logo assumem ser do dono da plantação, e vários vestígios de que o cara estava produzindo resina de dênera em grande escala. Para você se situar melhor, a resina foi mencionada pela primeira vez quando Kvothe ainda estava passando fome em Tarbean, como uma droga tão alucinógena e viciante que fez uma garota dançar nua na neve em troca de alguns trocados para sustentar o vício.
Acontece que Denna, sem saber o que é (quanta estupidez!), coloca um pouco da resina na boca, e Kvothe tem uma reação um tanto agressiva ao tentar salvá-la (“Se você não mastigar e engolir isso, vou dar-lhe um murro e enfiá-lo pela sua goela abaixo!”). Infelizmente para ele, acho, ela não dançou nua nem nada do gênero, só ficou muito alegre, eufórica e risonha, e os efeitos não foram permanentes.
Como a resina de dênera também pode ser utilizada para a produção de alguns remédios, os dois decidem catar um pouco da produção dali para levar consigo e revender a boticários.
Ah, e eles descobrem porque há tantas marcas de um dracus enlouquecido ali, e também porque parece que só as árvores daquela plantação específica estão mastigadas: o lagartão virou um papa-doces. Kvothe sabe que é uma questão de tempo até ele pirar a cabeça quando ficar em abstinência, já que as árvores foram totalmente devoradas àquela altura. Aí será um Deus-nos-acuda.
― Você já viu um papa-doces quando bate a secura da dr― Você já viu um papa-doces quando bate a secura da droga? ― ela perguntou, com o rosto abalado. ― Eles ficam doidos.
― Eu sei ― respondi, pensando na moça que vira dançar nua na neve em Tarbean.
― O que acha que vai acontecer quando acabarem as árvores?
Passei um bom momento pensando.
― Ele vai procurar mais, e ficará desesperado. E sabe que o último lugar em que encontrou as árvores tinha uma casinha com cheiro de gente... Teremos que matá-lo.
Deixa maravilhosa para o próximo capítulo, né não?


Capítulo 78 – Veneno


O título do capítulo 78 se refere exatamente à solução que encontraram para se livrar do dracus: veneno. Afinal, mesmo que Denna tenha dado a Kvothe uma escama do animal, e que ele tentasse estabelecer uma conexão por simpatia, com certeza não havia muito o que pudesse fazer para afetar o dracus. Enfim, eles não têm muita escolha.
Kvothe já quer resolver as coisas logo, primeiro porque não há mais árvores para o dracus alimentar o vício, o que significa que logo ficará em abstinência... Depois, por causa de Denna.

― A verdade é esta ― declarei com ar sério —: acho que você ficará boa, mas não sei ao certo. Não sei quanto daquele troço ainda está penetrando no seu organismo. Daqui a uma hora terei uma ideia melhor, mas, se algo der errado, eu preferiria estar uma hora mais perto de Trebon. Isso significa que não terei de carregá-la por uma distância tão grande ― disse, olhando-a nos olhos. ― Não brinco com a vida das pessoas com quem me importo.


Capítulo 79 – Conversa sedutora


Com o passar do tempo e o alastramento da resina no organismo de Denna, ela fica cada vez mais louca. Inclusive o suficiente para tomar banho num regato cantando canções picantes e convidando Kvothe a entrar com ela. Irresistível em outras situações, mas estamos falando de Kvothe, certo? Não fez mais que sua obrigação ao ficar distante.
Nem preciso dizer que mantive a distância. Existem nomes para as pessoas que se aproveitam de mulheres que não estão em pleno controle de suas faculdades, e nenhum desses nomes jamais será justificadamente aplicado a mim.

Enfim, se o capítulo anterior dedicou-se ao planejamento de como matar o dracus, este aqui foram os preparativos. Kvothe faz a sua armadilha, pretendendo envenenar o animal com a própria substância em que ele é viciado, reunindo uma quantidade que estima ser necessária para matá-lo rápido, sem muito sofrimento. Com a ajuda de uma Denna enérgica, faz uma fogueira maior do que a da noite anterior na intenção de atrair o dracus. E depois ambos aguardam.
Kvothe aproveita para verificar como Denna está em relação à ingestão da dênera e a parte do diálogo que destaquei abaixo foi a mais wtf e engraçada em relação a esses dois.
― Você tem o rosto mais meigo que existe ― disse-me, com um olhar sonhador. ― É como a cozinha perfeita. Fiz força para não rir. Aquilo era o delírio. Denna entraria e sairia dele até que a exaustão profunda a arrastasse para a inconsciência. Se você vir alguém dizendo uma porção de besteiras a si mesmo numa viela de Tarbean, é provável que ele não seja realmente maluco, mas apenas um papa-doces perturbado pelo excesso de dênera.
― Uma cozinha?
― É. Tudo combina, e o açucareiro fica exatamente onde deve ficar.

É no meio desse diálogo, aliás, que vem uma das frases de Denna que gosto. Meio a contragosto porque veio dela, e eu sou bem encrenqueira, mas realmente gosto. É quando a garota fala sobre a pneumonia que acometeu-a na infância.

― Fiquei dois minutos sem respirar; quase morri. Às vezes me pergunto se tudo isso não é uma espécie de erro, se eu não deveria estar morta. Mas, se não é um erro, tenho que estar aqui por alguma razão. Mas, se existe uma razão, não sei qual é.

Enfim. É um capítulo bem cheio de sentimentos, com os dois se abraçando pela primeira vez, e realmente fofinho. Então podemos pular essa parte porque sabemos o quanto os dois se gostam mas são imbecis o suficiente para não ficar juntos e sempre dificultar as coisas. Foquemos no que é importante...
Como por exemplo na revelação de que Denna apanhou de Mestre Freixo.
Sim. A garota revela que antes de encontrar o casamento detonado, ela o viu. Ele avisou que estavam todos mortos e sugestionou Denna a pedir uns murros na cara... Afinal, se aparecesse como a única sobrevivente, sem sequer um arranhão, seria culpada pela tragédia. Pelo menos essa é a lógica do Mestre Freixo e da própria Denna.
Confesso que até me senti inclinada a sentir pena dela e pensar que não teve nada a ver com isso...


Capítulo 80 – Em contato com o ferro


Certo, o capítulo 78 foi o planejamento e o 79, os preparativos. Esse aqui é a execução. Execução do plano de matar o dracus que seria perfeito se naquele mesmo dia, naquele mesmo instante, não tivesse iniciado a festa da colheita em Trebon.

Denna entregue à fase da exaustão pós-consumo de resina de dênera, enquanto Kvothe executa parte do plano para matar o dracus. Autor desconhecido.

A festa da colheita é um evento para celebrar a passagem do ano. Envolve muitas, muitas fogueiras. Fogueiras essas interessantíssimas para um dracus papa-doces que acaba de ingerir uma quantidade letal de resina de dênera e está passando pela fase do delírio. Então não é nenhuma surpresa quando o animal sai da clareira e dos planos de Kvothe, indo em direção à cidade, decretando a morte de centenas de inocentes quando toma essa decisão.
Kvothe entra em desespero e acorda Denna, que fica irritada, parece confusa e solta um nome... Moteth
Quem diabos é Moteth? Poderia ser o patrono de Denna? Aí acabaria com nossa teoria sobre ser Gris. Ou poderia, então, ser o nome de alguma figura presente na vida da garota? Como um irmão, ou mãe/pai? Há quem ache ser um antigo amor de Denna, que partiu-lhe o coração... Quais são as suas apostas? Com certeza Rothfuss não colocou esse nome aí sem razão, né?
Enfim. Como Denna estava ainda muito afetada pelos efeitos da dênera, Kvothe a deixa para trás e sai correndo na direção do dracus ensandecido. Este é o Kvothe da história que conhecemos, e usando toda a sua astúcia e perspicácia, o garoto consegue apagar as chamas que o dracus já espalhou pela cidade. Mas como Trebon não estava precisando se livrar apenas do fogo, mas também de um lagartão maluco, Kvothe faz uma conexão tríplice usando a escama do dracus, a pedra-lóden que trocou com o latoeiro (bendito latoeiro!) e a grande roda de ferro que se encontra em cima da igreja tehliniana da cidade. Resumindo: a escama é atraída pela pedra-lóden, enquanto lá embaixo, a roda de ferro se estatela sobre o dracus, também atraída. Alguém mais entendeu o que estava acontecendo? Não, apenas Kvothe. Mas as pessoas estavam salvas e isso bastava para o nosso ruivo.
Caiu uma tonelada de ferro batido. Se houvesse alguém olhando, teria notado que a roda caiu mais depressa do que a gravidade poderia explicar. Teria notado que ela caiu enviesada, quase como se fosse atraída pelo dracus. Quase como se o próprio Tehlu a tivesse direcionado para a fera com mão vingativa. Mas não havia ninguém para ver a verdade das coisas.
E não havia nenhum deus a guiá-la. Apenas eu.

Mas e aí, gente, o que vocês acharam desses dez capítulos? Quais pistas pode ter deixado que eu não comentei aqui? Quais são as teorias que você criou? Provavelmente foram as páginas em que eu mais me dividi entre acusar e absolver Denna, olha. 
Por fim, fiquem com essa arte maravilhosa que eu tenho guardada há muito tempo e simplesmente precisava dividir com vocês. Haliax, Kvothe e Gris. Gente do céu, eu preciso ver esses três cara a cara!

kvothe por sandara.


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