#RelendoKvothe || Releitura de O Nome do Vento – Parte 7
Guia do #RelendoKvothe: Introdução ao projeto || Parte 1 (Prólogo ao Capítulo 10) || Parte 2 (Capítulo 11 ao Capítulo 20) || Parte 3 (Capítulo 21 ao Capítulo 30) || Parte 4 (Capítulo 31 ao Capítulo 40) || Parte 5 (Capítulo 41 ao Capítulo 50) || Parte 6 (Capítulo 51 ao Capítulo 60) || Parte 7 (Capítulo 61 ao Capítulo 70).
Oi, gente! Sei que atrasei muito o projeto, mas vocês irão me desculpar, eu sei. Não abandonei o #RelendoKvothe; só precisei de um tempo para mim, o que é sempre recomendável que todos nós façamos para não enlouquecer. Não irei mais estabelecer e nem fazer promessas de postagens, porque parece que sempre que faço, algo dá errado... Mas espero conseguir readequar tudo e voltar ao cronograma em breve.
E agora, vamos à análise dos capítulos 61 a 70?
Capítulo 61 – Asno, asno
Claro que já sabemos a quem o título do capítulo se refere, certo? Sim, estou falando de Ambrose Dazno. Numa reação perfeitamente madura (só que ao contrário), esse é o modo que Kvothe encontra de “retribuir” o fato de Ambrose ter arruinado suas chances de conseguir um mecenas, colocando toda a nobreza de Imre contra o garoto. “Não vou conseguir um mecenas, hein? Tudo bem, mas sua reputação será arruinada, Ambrose. Aguarde”. Assim, Kvothe de repente se vê expulso até mesmo da Quadriga, pois Ambrose deu um jeito de comprá-la através de outra pessoa, e malmente consegue arranjar um lugar para dormir. Finalmente encontra uma hospedaria, a Anker’s, e consegue fechar um acordo com o hospedeiro para dormir, fazer refeições e tocar ali. Foi o único hospedeiro que Ambrose não conseguiu comprar, como o próprio Anker informa a Kvothe, o que deixa seu sangue fervendo de ódio pelo nobre, mas também o faz compreender a que ponto seu rival seria capaz de chegar para atormentá-lo.
Enfim, com a ajuda de Threipe e um pouco de álcool no sangue, Kvothe criou, na Eólica, uma canção simples com versos curtos e divertidos que zombavam do primogênito do barão Dazno. Quem a ouvia, sabia a quem aquela canção se referia; sendo tão memorizável, logo foi armazenada na memória de todos. Uma pena (será mesmo?) para Ambrose e sua tão prezada reputação.
É um asno refinado, vê-se até por seu andar!
E, por um vintém de cobre, vai levá-lo a passear!
"Kvothe" em uma performance de Asno, Asno (Jackass, Jackass no original). Achei bem divertido!
Ambrose até tenta fazer Kvothe pagar e o leva ao Chifre para responder por Conduta Imprópria para um Membro do Arcanum. Não adianta muita coisa, pois para admitir que a canção realmente foi feita contra si na intenção de humilhá-lo, o nobre teria de confirmar que tudo que é dito na letra é verdade – que ele é um asno, que é dotado de um “vergalho fadado a ser falho”, entre outras coisas. A acusação é alterada para Zombaria Indigna e Kvothe é condenado a pedir desculpas publicamente. O que ele faz, mas de um modo tão vergonhoso que certamente seria melhor para Ambrose ter fingido que aquela canção nunca existiu: Kvothe se desculpa de um jeito tão dramático e exagerado, escrevendo cada linha da canção e explicando, uma por uma, porque era tão errado.
Aí recebemos um pequeno spoiler do que está para vir – e opa, será que aqui temos o prenúncio de que Kvothe, ao defender-se, matou Ambrose e quebrou as pedras da calçada diante da Eólica, como um viajante afirma, admirado, no começo do livro?
Em retrospectiva, foi uma tolice tão grande quanto provocar um touro enraivecido. E, se eu tivesse que dar um palpite, diria que essa insolência, em especial, foi a principal razão de Ambrose acabar tentando me matar.
Bem, eu sei que há uma situação nesse mesmo livro em que Ambrose tenta matar Kvothe, mas o ódio e a disposição do nobre para ir além sempre foram tão grandes que pode muito bem ter havido mais de uma tentativa, certo? Certo.
Ah, ainda no capítulo 61 vemos Viari, um guildeiro do Lorren. Diferente do que se imagina de um escriba, Viari é um viajante esclarecido que definitivamente não vive confinado em bibliotecas. Ele viaja o mundo atrás de títulos raros para acrescentar ao Arquivo da Universidade. Dirige-se em siaru a Willem e fala em ylliche com Kvothe, confundindo-o com ylliano. Ainda identifica-o, em seguida, como Ruh, e o cumprimenta como de costume entre os Edena Ruh. Ou seja, personagem extremamente interessante que, apesar de ter aparecido apenas uma vez nos dois livros, tem motivo de sobra para fisgarmos nossa atenção e aguardamos uma atuação relevante no Terceiro Dia.
Kvothe o vê porque está no Arquivo à espera de falar com Mestre Lorren de novo, e quando consegue praticamente implora pela autorização de voltar a frequentar o lugar. Tenta se justificar, diz tudo o que faria para pisar ali de novo, mas descobre que Lorren possui apenas uma condição para rescindir sua proibição: “Demonstre a paciência e a prudência que lhe faltaram até aqui.” Paciência? Prudência? É, Kvothe. Complicou para o seu lado.
Aliás, antes que eu esqueça, claro que teve Denna no capítulo. O garoto tentou procurá-la em Imre diversas vezes, e um trecho sobre essa busca parece comigo, quando digo que vou desistir de algo mas na realidade, não quero desistir:
Depois da sexta viagem infrutífera a Imre, decidi abandonar a busca. Após a nona, convenci-me de que era um desperdício de tempo valioso. Depois da décima quarta, cheguei ao reconhecimento profundo de que não a encontraria.
Capítulo 62 – Folhas
No sexagésimo segundo capítulo, Kvothe resume sua situação no período letivo: ateve-se apenas a três campos de estudo, sendo eles Simpatia Avançada, Iátrica e seu estágio de aprendiz na Artificiaria (esse último objetivando tornar-se artífice assalariado e começar a ganhar uma grana de verdade, afinal a dívida com a Devi ainda permanecia de pé).
Assim, Kvothe conta do dia em que é apresentado aos novatos o novo agente transportador volátil a integrar as ferramentas da oficina: o alcatrão-de-osso, altamente corrosivo, capaz de corroer um braço até o osso em dez segundos. Kilvin reuniu todos aqueles que nunca tiveram contato com o agente justamente para falar do quão perigoso é, ensinar como manusear e repassar uma série de medidas que devem ser tomadas em caso de vazamento. Enfim, é uma coisa tão absurdamente perigosa que eu dificilmente pensaria em usar, mas estamos falando de Kvothe, e quando Manet menciona a ele o que se pode fazer com o alcatrão-de-osso, seus olhos brilham.
― E por que isso está aqui, afinal? Para que serve?
― Deixa os alunos do primeiro período se borrando de medo ― disse Manet, rindo.
― Alguma coisa mais prática que isso?
― O medo é prático à beca. Mas a substância pode ser usada para fazer um tipo de emissor diferente para as lamparinas de simpatia. Obtém-se uma luz azulada, em vez do vermelho comum. Um pouco mais relaxante para os olhos. Conseguem-se preços escandalosos.
Mais tarde no mesmo dia, Kvothe está tocando na Anker’s como parte do acordo feito com o dono da hospedaria, e então vê Denna no meio da plateia. Kvothe entra naquele modo de ansiedade louca e consegue enrolar o Anker e as pessoas que estão na hospedaria, iniciando Latoeiro curtumeiro e deixando o resto do povo seguir cantando. Assim, escapa com sucesso do local e consegue um momento de privacidade com Denna.
É nessa ocasião que se inicia o famoso diálogo sobre flores entre Denna e Kvothe. É engraçado como essa conversa tão aparentemente simples tem uma coisa e outra nas entrelinhas. Por exemplo, sabemos que Denna não gosta de homens que lhe deem rosas, ou seja, que pareçam seguir o ritual de livros românticos e seus mocinhos, e que talvez Denna se sinta culpada pelo tanto que é valorizada por Kvothe. Duvida? Olha só:
― É uma flor de um vermelho intenso que cresce numa trepadeira forte. Tem folhas escuras e delicadas. A planta viceja melhor à sombra, mas a flor em si encontra raios de sol perdidos sob os quais florescer ― expliquei. Olhei para Denna. ― Isso combina com você. Que tem muito de sombra e luz. Ela cresce em florestas fechadas e é rara, porque só quem é habilidoso consegue cuidar dela sem feri-la. Tem um perfume maravilhoso e é muito procurada, mas raramente encontrada ― concluí. Parei e fiz questão de examiná-la. ― É, já que sou forçado a escolher, eu escolheria a selaria.
Ela me olhou, depois desviou o rosto.
― Você me dá importância demais.
Sorri.
― Talvez você se dê importância de menos.
Logo em seguida Denna admite que sua flor favorita é a margarida, como Kvothe havia indicado antes de mudar de ideia. E afirma ao garoto:
― Você me lembra um salgueiro ― disse ela sem pestanejar. ― Forte, com raízes profundas e oculto. Move-se com fluidez quando vem a tempestade, porém nunca para mais longe do que deseja.
Levantei as mãos, como se aparasse um golpe.
― Pare com essas palavras doces ― protestei. ― Você está tentando dobrar-me à sua vontade, mas não vai funcionar. Para mim, sua lisonja não passa de vento!
Denna fitou-me por um instante, como que para se certificar de que meu discurso havia terminado.
― Mais do que todas as outras árvores ― disse-me, com a curva de um sorriso na boca elegante ―, o salgueiro se move ao sabor do vento.
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Denna por LadySnow. E pasmem, com o defeito no nariz, conforme Bast afirmara! :o |
Não sei porque, mas essas últimas palavras de Denna para Kvothe me chamaram a atenção de um modo singular. Só uma ligeira intuição de que é uma observação importante, não sei.
Capítulo 63 – Andando e falando
O capítulo foca apenas em um encontro entre Kvothe, Wil e Sim no dia seguinte ao capítulo 62. Wil e Sim, mas principalmente Sim, ficam magoados por Kvothe ter esquecido o compromisso marcado na noite anterior. Pressionam o garoto para descobrir onde esteve, e quando descobrem pressionam por mais detalhes, e por fim quando ficam sabendo que não aconteceu nada entre ele e Denna, pressionam novamente, dessa vez para que Kvothe tome alguma atitude. O final mostra Sim e Kvothe tendo um pequeno atrito, com o ruivo sendo grosso e sentindo-se culpado logo em seguida.
O mais importante do capítulo, talvez, é Kvothe mencionando algo crucial para o capítulo seguinte: que Manet o autorizou a fazer seu primeiro projeto como artífice assalariado.
Capítulo 64 – Nove no fogo
Kvothe procurou Denna. Kvothe não encontrou Denna. Mais uma vez. É só disso que fala a introdução ao sexagésimo quarto capítulo.
Prosseguindo ao que importa, o ruivo apresenta a Kilvin seu primeiro projeto solo da Artificiaria. Kvothe quis demonstrar o quanto é prodigioso e brilhante, o que foi como uma faca de dois gumes. Ao desenvolver uma lamparina estilo “olho-de-boi”, não se atentou ao fato de que era usada principalmente por ladrões, razão pela qual foi repreendido. E se caísse em mãos erradas?
― Imagino que o que desejava era demonstrar sua extrema inteligência ― disse Kilvin, sem fazer rodeios. ― Queria não apenas concluir seu estágio de aprendiz em metade do tempo habitual, mas também trazer-me uma lamparina da sua própria criação aprimorada. Sejamos francos, E’lir Kvothe. Sua produção dessa lâmpada foi uma tentativa de mostrar que você é melhor do que o aprendiz comum, não foi?
― (...) Mestre Kilvin, eu sou melhor. Aprendo mais depressa. Trabalho com mais afinco. Minhas mãos são mais ágeis. Minha mente é mais curiosa. Mas também espero que o senhor mesmo saiba disso sem que eu o precise dizer.
Enfim, Kvothe é aprovado como artífice assalariado, mas Kilvin opta por derreter sua lamparina, e não vendê-la, como normalmente aconteceria. Assim, o ruivo se vê diante da possibilidade de perder não só o tempo investido, mas o dinheiro também. Desolado, dá as boas novas de sua aprovação a Manet, bem como a notícia ruim, e se determina a fazer um lote de lamparinas azuis usando o alcatrão-de-osso. Manet o alerta, mas estamos falando de Kvothe, não é mesmo?
Ainda conversando com Manet na Artificiaria, o garoto entra no assunto do Arquivo. Como o velho (é estranho chamá-lo de idoso, não?) está ali há muitos anos, conhece todas as entradas secretas por onde Kvothe poderia seguir para o Arquivo... E logo se recusa a informá-las, aconselhando que o ruivo deixe o tempo agir e aguarde Lorren retirar o banimento em um ou dois períodos letivos. Mais uma vez, Kvothe parece ter uma séria aversão a conselhos para o seu bem.
No final, Kvothe consegue pegar a sua lamparina de volta com Kilvin e fica de posse dela sob a promessa de que não a venderá ou emprestará a ninguém. De fato, o garoto não fará nada disso, mas o destino que dá à lamparina com certeza desagradaria seu mestre, se ele soubesse.
Quando deixei a oficina, tomei o cuidado de ostentar uma expressão neutra, mas, por dentro, exibia um largo sorriso satisfeito. Manet me dissera exatamente o que eu precisava saber. Havia outro caminho para o Arquivo. Um caminho oculto. Se ele existia, eu saberia encontrá-lo.
Capítulo 65 – Fagulha
Wil, Sim e Kvothe reúnem-se na Eólica, com Kvothe usando o seu crédito de bebidas (que é imenso devido ao fato de muitas pessoas comprarem bebida para o garoto sempre que toca no lugar) em prol dos amigos para dar o anúncio de sua aprovação na Artificiaria – que é recebido, aliás, de um modo bem ressentido por Wil [“Já não era sem (...) Você levou o quê? Quase três meses? As pessoas estavam começando a dizer que você tinha perdido o seu toque.”]. Logo a conversa muda para Kvothe delicadamente tentando induzir Wil a permitir que ele entre no Arquivo, o que o amigo veementemente nega, pois não quer correr o risco de provocar a expulsão dos dois.
Ahhh, e é claro. Temos Denna no capítulo. Kvothe quase nunca a encontra quando quer, mas ela sempre aparece do nada nos mesmos lugares em que ele está, tipo o Mestre dos Magos. E é óbvio que tem coisa suspeita nisso aí. Bom, pelo menos é óbvio para mim.
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Denna lembra o Mestre dos Magos, que com certeza deve lembrar seu orientador do TCC. |
De qualquer forma, Denna aparece e fica bem próxima de Deoch na Eólica, o que deixa Kvothe enciumado. No entanto, logo ela o vê e se dirige à mesa onde o ruivo está com os amigos. Com seu jeito delicado e encantador (que, porém, continuo não gostando), Denna o rouba da companhia de Wil e Sim e os dois saem para fazer um piquenique. Deveras romântico.
Quando estão a sós, uma conversa se inicia. Quem traz o assunto à baila é Kvothe, mencionando haver sete palavras que fazem uma mulher se apaixonar. Denna pergunta se é por isso que ele falta tanto, na esperança de tropeçar nelas por acaso, e o garoto enrubesce. Eu o compreendo. Juro que sim. Se eu ganhasse um real pelo número de vezes em que as pessoas dizem que eu falo/escrevo muito (really?), provavelmente estaria rica agora.
Enfim, aí vem a parte emocionante (ao menos para Kvothe):
― De qualquer modo, não deve se incomodar pensando nisso. Você me disse as tais palavras quando nos encontramos pela primeira vez. Disse: Estava pensando no que você faz aqui — comentou, fazendo um gesto irreverente. ― Desde aquele momento tornei-me sua.
Embora na realidade Kvothe tenha dito apenas seis palavras (“Estava pensando no que faz aqui”), com o que não vou encrencar porque pode ter sido mera falta de atenção na tradução, ou um erro ínfimo que não atrapalha a história, aqui temos o momento em que é revelado que Denna lembrava sim de Kvothe e da caravana do Roent. O garoto, que tantas vezes havia se lamuriado dizendo que era tão entediante que ela o esquecera, descobre que está errado.
Eles conversam um pouco mais sobre aquele dia, e o que aconteceu depois. Denna revela que mudou seu nome para Dianne porque Denna “era uma menina boba”, e o que ocorreu em Anilen não foi nada de agradável, mas também nada inesperado. Não sei porque, e sequer possuo fundamento para isso, mas me pergunto se o músico com quem ela escolheu viajar não a agrediu ou tentou agredi-la de alguma forma – principalmente sexual. Seria possível? Seja lá o que for, aparentemente é algo a que Denna está acostumada. Isso me deixou um pouco triste por ela, talvez o momento em que mais tenha sentido compaixão pela personagem. Antes de se despedirem, marcam um almoço no dia seguinte na Eólica. Uma pena que o futuro tenha discordado desse plano.
Mais tarde, quando retorna à Eólica, Deoch chama Kvothe e os dois iniciam uma conversa. Basicamente o que vemos é Deoch assumindo todas as qualidades de Denna, mas ao mesmo tempo tentando alertá-lo. Em suas palavras, “Dianne é como uma cascata de fagulhas brotando de um pedaço pontiagudo de ferro segurado por Deus junto à pedra de amolar”. Que traduções poderíamos fazer disso? Na verdade, ficou tão metafórico que eu me senti confusa... Só não foi mais metafórico que a resposta de Kvothe ao alerta (aliás, no original em inglês as frases rimam e formam uma espécie de poema, a título de curiosidade):
― Deoch, meu coração é feito de material mais forte do que o vidro. Quando ela atacar, descobrirá que ele é forte como uma liga de bronze e ferro, ou uma mescla de ouro e diamante. Não pense que estou desprevenido, que sou um cervo assustadiço, imobilizado pela trompa de um caçador. Ela é quem deve tomar cuidado, porque, quando atacar, meu coração emitirá um som tão lindo e claro que não terá como deixar de trazê-la de volta para mim, voando como se tivesse asas.
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Pelo menos Deoch tentou avisá-lo... |
Capítulo 66 – Volátil
Sim, estamos falando do alcatrão-de-osso. Sim, dá merda confusão. Em defesa de Kvothe, ele até tenta, no início do capítulo, alertar Jaxim do excesso de gelo no recipiente que envolve o agente, mas acaba sendo um pouco ignorado.
Enfim, Kvothe está ali pela manhã, o que não é de seu feitio, porque sua ansiedade para o almoço com Denna não o deixa dormir mais um pouco. Assim, ele decide ir à Artificiaria e começar a produzir as lamparinas de emissores azul. Seu objetivo é produzir um lote e vendê-lo pelo preço alto que possui no mercado, conseguindo uma folga na questão financeira que o atormenta. E tudo está indo bem, na medida do possível, até que uma exclamação (“Ai, meu Deus.”) chama sua atenção e o garoto descobre que o alcatrão-de-osso está vazando do cilindro que deveria encerrá-lo e impedir seu contato com o ar – caso contrário, o gás se inflamaria.
O material volátil derrete a perna da mesa em que o recipiente se encontrava, e logo se espalha pelo chão. Considerando os desníveis da Artificaria, um pouco vai para cada lado em direção aos ralos, o que acaba fazendo com que uma pessoa seja cercada pelo agente. Essa pessoa é Feila, que está ali, encurralada, na iminência de se tornar uma tocha humana em poucos segundos. Kvothe precisa agir rápido se quiser salvá-la – e é o que faz, realizando uma conexão com o próprio sangue para quebrar o vidro duplamente reforçado do tanque de água ali perto. Mesmo assim, o alcatrão-de-osso logo se inflama e as chamas cercam Feila.
Kvothe literalmente corre em direção ao fogo corrosivo. Como um verdadeiro herói, ele a pega no colo e sai correndo do círculo de chamas. Protegida pela capa molhada de Kvothe, Feila não se queima tanto quanto o esperado, mas o garoto sim. Na verdade, seu maior problema nem foi ter encostado no fogo, mas sim ter engolido um pouco da fumaça produzida pelo material. Portanto, o desmaio que sofre logo em seguida é previsível.
Quando Kvothe acorda, está na Iátrica. Descobre que já passou do meio-dia e fica arrasado. Claro, porque é sua culpa o que ocorreu na Artificiaria, certo? Mas o garoto fica mesmo triste pois sabe que perdeu o almoço com Denna. Então, agora que já perdeu o horário mesmo, troca algumas palavras com Moula, elogiando-a por ter sido promovida a El’the, e se atualizando quanto à situação de Feila e da Ficiaria como um todo.
O resto do capítulo mostra a tentativa frustrada de Kvothe encontrar Denna na Eólica, quando confirma que ela já não está ali, e seu retorno a Anker’s após o acidente, ouvindo as pessoas comentarem sobre o ocorrido.
Estava acostumado a que as pessoas falassem de mim. Como disse, eu vinha construindo ativamente minha reputação. Mas isso era diferente; era real. As pessoas já começavam a enfeitar os detalhes e a confundir algumas partes, porém a essência da história ainda estava lá. Eu salvara Feila, precipitando-me no fogo e carregando-a para um lugar seguro. Exatamente como o Príncipe Encantado de um livro de histórias.
Foi a primeira vez que provei o gosto de ser herói. O sabor me agradou bastante.
Neste capítulo, Kvothe retorna à Ficiaria para ver os estragos ele mesmo. Quando chega no local, vê a sala de Kilvin vazia, o que dá uma sensação desoladora ao local; logo, porém, o professor com aspecto de urso chega, recusando os cuidados de Arwyl em seus curativos. Quando vê Kvothe, o chama; num primeiro momento, parece estar dando uma bronca no garoto por ter deixado sua lamparina olho-de-boi jogada na bancada, e também por estar sem sapatos. Não demora, porém, a sorrir e confessar que estava brincando, agradecendo Kvothe por ter salvado Feila.
Eu sempre imaginei que Kvothe havia escolhido usar o nome Kote, mais tarde, em razão da semelhança com seu nome real. Achava meio idiota também, pois sabemos que Kote quer esconder-se das pessoas, e usar um nome tão similar ao seu de nascença me parecia meio estúpido. Nessa cena, porém, vemos que não é bem assim. Kote aparentemente significa desgraça, e Kvothe aprendeu isso com Kilvin. Saber desse fato muda muita coisa, pelo menos para mim.
― O senhor parece estar de bom humor, Mestre Kilvin ― comentei com cautela, pensando em qual analgésico lhe teriam dado na Iátrica.
― Estou ― respondeu ele, animado. ― Conhece o ditado “Chan Vaen edan Kote”?
Tentei decifrar o quebra-cabeça.
― Sete anos... não sei o que é Kote.
― “Espere uma desgraça a cada sete anos” ― ele explicou. ― É um antigo provérbio, e muito verdadeiro. Esta já estava com dois anos de atraso ― acrescentou, apontando com a mão enfaixada para os destroços de sua oficina. ― E, agora que veio, revelou-se uma desgraça branda. Minhas lamparinas não foram danificadas. Ninguém morreu. De todos os ferimentos leves, os meus foram os piores, como deveria ser.
Kilvin e Kvothe continuam discutindo sobre o incidente. Kilvin fica admirado ao descobrir que Kvothe usou o próprio sangue para fazer uma conexão e quebrar o vidro duplamente reforçado do tanque de água, que o próprio mestre fez com suas mãos. Kvothe pergunta como Kilvin controlou o fogo depois, se chamou o nome do fogo, como ouvira um aluno comentar. O mestre responde que não, pois não o conhece, mas que Elodin saberia se estivesse ali.
― Mestre Elodin sabe o nome do fogo?
Kilvin fez que sim e acrescentou:
― Talvez haja mais uma ou duas pessoas aqui na Universidade, porém o Elodin é quem tem o domínio mais seguro.
― O nome do fogo ― repeti devagar. ― E essas pessoas poderiam chamá-lo, e o fogo faria o que dissessem, como o Grande Taborlin?
Ele tornou a assentir com a cabeça.
― Mas isso são apenas histórias ― protestei.
Kilvin me olhou com ar divertido.
― De onde acha que vêm as histórias, E’lir Kvothe? Toda história tem raízes profundas em algum lugar do mundo.
Talvez essa tenha sido a primeira vez que Kvothe entendeu o quanto as histórias podem ser reais. Mesmo depois de tudo o que viveu com o Chandriano...
Capítulo 68 – O vento sempre mutável
Eita, capítulo cheio de mulheres. Primeiro temos Kvothe tentando encontrar Denna na Eólica, mas topando com Feila primeiro. A estudante, agradecida pela atitude do garoto que salvou sua vida, costurou para ele uma capa novinha e entregou como sinal de agradecimento. Kvothe, que alguns minutos antes estava pessimista e chateado com sua situação – sem roupas novas, sem sapatos e sem dinheiro –, enfim se vê diante de uma coisa boa. Tão apegado a sua capa antiga, que queimou no incidente da Ficiaria, é bom ter uma nova (e cheia de bolsos, como a outra costumava ser).
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Feila entregando a Kvothe sua capa nova na Eólica. |
― Eu sabia que ia morrer. Sabia mesmo. Mas só fiquei parada lá, feito... feito um coelho assustado ― disse. Levantou a cabeça, piscando para afastar as lágrimas, e seu sorriso tornou a desabrochar, deslumbrante como sempre. ― E aí apareceu você, correndo pelo meio do fogo. Foi a coisa mais impressionante que eu já vi. Parecia... você já assistiu a Daeonica?
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Cartaz de Daeonica por Kurogane-sensei. |
Enfim. Enquanto Kvothe conversa e recebe os agradecimentos de Feila, vê pelo canto do olho que Denna estava ali e a assiste saindo da Eólica. Sem chance de correr atrás dela para explicar o ocorrido, resigna-se a permanecer no lugar na companhia de Feila.
Quando os dois se despedem, Kvothe relembra como o acidente aconteceu. E algo chama sua atenção: todo o alcatrão-de-osso escorreu para os ralos... Logo, para o subterrâneo. Ele se desespera e vai atrás de Moula na Iátrica. Precisam encontrar Auri e saber se está bem.
Ao final, depois de momentos de angústia, Kvothe descobre que Auri está bem sim. Ele e Moula encontram-na no lugar de sempre, e dessa vez a “fadinha-da-lua” lhe oferece uma moeda. Aceita até de bom grado a presença da estranha Moula entre eles, sem ameaçar voltar para o subterrâneo, como Kvothe imaginou que faria. E assim os três passam a noite ali, com o ruivo tocando seu alaúde para a pequena plateia.
― Eu lhe trouxe uma pluma que continha o vento da primavera, mas, como você se atrasou... ― olhou circunspecta para mim ― ...vai ganhar uma moeda, em vez dela. ― Com o braço estendido, entregou a moeda, presa entre o indicador e o polegar. ― Ela o manterá em segurança à noite. Quer dizer, tanto quanto alguma coisa é capaz de fazê-lo.
A peça tinha o formato de uma moeda aturense de penitência, mas reluziu, prateada, à luz da lua. Eu nunca vira outra igual.
Os presentes de Auri a Kvothe possuem um significado que talvez passe despercebido pelo leitor de primeira viagem, geralmente desatento. A primeira foi a chave que supostamente abria a lua, e agora a moeda que o manterá em segurança à noite. Quanto de suas palavras podem ser mero devaneio e loucura, e quanto podem ser reais? Aliás, esses dois objetos são os mesmos geralmente associados a Taborlin, o Grande, além de um terceiro, que seria a vela. Quais as suas teorias sobre isso?
Auri também comenta, aliás, que quando viu as “nuvens” (do alcatrão-de-osso) no subterrâneo, subiu para procurar Kvothe no “alto das coisas”. Porém, como a lua estava voltando, ela estava saindo de novo. E aqui mais uma vez ela deixa clara a sua insistência em não ser vista pela lua. Por quê, Auri?
A única coisa ruim desse encontro é que Moula descobriu a existência de Auri. Indignada, ela procura saber porque Kvothe não informou a ninguém sobre a ex-estudante que vive no subterrâneo em condições tão desumanas, sem roupas adequadas e semimorta de fome. Kvothe tenta se justificar, mas Moula se mostra preocupada demais com a saúde e bem-estar de Auri para levar suas palavras a sério.
Capítulo 69 – Vento ou capricho feminino
O título do capítulo se refere a um ditado mencionado por Kvothe no decorrer de sua conversa com Deoch (“Não há maior inconstância no voo que a do vento ou a do capricho feminino”). Ambos estão na Eólica, tomando vinho e conversando sobre Denna, e a conversa tem um tom bem melancólico, mas é interessante para sabermos um pouco mais sobre a personagem. Deoch, que a conhece há pouco mais de um ano e meio, soluciona parte do mistério que é Denna, fazendo não apenas com que Kvothe a conheça um pouco mais, mas os próprios leitores também. Vemos a garota sob o ponto de vista do homem, que é tão encantado por ela quanto Kvothe, e talvez eu tenha ficado mais simpática a Denna nesse momento (de novo? Parece que temos um recorde aqui!). Afinal de contas, também sou mulher, e não foi muito difícil usar a empatia.
A conversa aborda levemente o machismo que envolve a questão das mulheres naquela época, porém sem mencionar a palavra – e por favor, só estou falando de passagem do assunto desse capítulo, não há razões para polêmicas nesse sentido. Deoch explica porque Denna sempre foi assim, e faz Kvothe imaginar como seria viver a sua vida. A conclusão que o dono da Eólica tem é: “Não, eu não invejo a sua vida.”
― Ela não deve ser desprezada por ir para onde o vento a leva. Tem que aproveitar as oportunidades quando as encontra. Se tem uma chance de viajar com um sujeito que gosta do seu jeito de cantar, ou com um comerciante que espera que sua carinha bonita o ajude a vender sua mercadoria, quem pode censurá-la por levantar acampamento e sair da cidade? E, se ela joga um pouco com seus encantos ― prosseguiu, encolhendo os ombros largos ―, não vou desprezá-la por isso. Os jovens cavalheiros a cortejam e lhe compram presentes, vestidos, jóias. Se ela vende essas coisas para ganhar dinheiro com que viver, não há nada de errado nisso. Os presentes lhe são dados livremente, e ela pode fazer deles o que bem entender.
Deoch cravou os olhos em mim e continuou:
― Mas, o que ela há de fazer, quando um cavalheiro toma liberdades demais, ou quando se zanga por lhe ser negado aquilo que ele considera ter comprado e pago? Que recurso tem ela? Sem família, sem amigos, sem posição. Sem escolha. Nenhuma alternativa senão entregar-se a ele, mesmo a contragosto... ― o rosto de Deoch se entristeceu ― ...ou ir embora. Partir depressa e procurar outras paragens melhores. Por acaso é de admirar que seja mais difícil pôr as mãos nela do que numa folha carregada pelo vento?
Mais tarde, quando está retornando à Universidade, Kvothe é nocauteado e levado a um beco. Logo ele descobre que os dois homens ameaçando sua vida não são meros ladrões, mas assassinos experientes, e até deduz quem os contratou: Ambrose. Usando seu pensamento rápido, apesar de prejudicado por ter bebido um pouco além da conta e pela pancada que levou na nuca, Kvothe consegue afugentar os homens incendiando o punhado de limalha de bassal que carrega no bolso. Um desmaia quando cai e bate a cabeça, enquanto o outro desespera-se achando que ficou cego, gritando que Kvothe jogara um raio contra eles. Aproveitando a situação, o garoto confirma que o fez e age como o Grande Taborlin agiria, imitando até sua voz. Porém, em determinado momento sua coragem se esvai e ele corre como nunca correra antes, de volta para o que imagina ser a segurança da Anker’s.
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Kvothe encurralado no beco após ser atacado pelos assassinos de aluguel, arte de Crysniu. |
― Se algum dia eu tornar a ver um de vocês, invocarei coisa pior do que o fogo e o relâmpago ― declarei, em tom ameaçador, enquanto me esgueirava para a saída do beco. Se conseguisse pegar o visor deles, não teria mais que me preocupar com a possibilidade de me encontrarem. Estava escuro e o capuz de minha capa estivera levantado. Talvez eles nem soubessem que aparência eu tinha.
Antes de prosseguirmos, porém, deixe-me fazer uma observação: não tenho certeza se Ambrose os enviou. Os perseguidores, afinal, deixam claro que aquela é a terceira tentativa de pegá-lo e um deles diz não querer que aconteça o mesmo em Anilen. Eles podem estar se referindo a algum caso passado? Sim, de fato. Mas relembremos aqui que Anilen foi o mesmo lugar em que Denna esteve após encontrar Kvothe pela primeira vez. O mesmo lugar onde, numa conversa anterior, ela afirmou que as coisas não foram bem. E aí, vocês têm algum palpite?
Voltando ao capítulo, Kvothe demora um pouco para escalar a Anker’s até o seu quarto, uma vez que foi esfaqueado nas costelas. Também leva um tempo para conseguir abrir sua janela, que estava emperrada por um pedaço de papel. Entra no cômodo, mas sai de novo logo em seguida, certo que os assassinos não tardariam a se recuperar do susto e voltariam a procurá-lo com a bússola de rabdomante, usando um fio do seu cabelo. Por isso Kvothe segue o rumo da Universidade e, próximo ao Arquivo, num pátio em que o vento faz danças complexas e mutáveis, cola fios de seu cabelo em folhas e as solta ali. Hipnotizado pela dança do vento, o garoto permanece no telhado por um tempo, e sequer percebe quando Elodin se aproxima.
― Há muito tempo ― disse ele, puxando conversa, sem tirar os olhos do pátio ―, quando as pessoas falavam uma língua diferente, isto aqui se chamava Quoyan Hayel. Mais tarde passaram a chamá-lo de Salão das Perguntas, e os alunos brincavam de escrever perguntas em pedaços de papel e soltá-los para que fossem soprados. Diziam os boatos que era possível adivinhar a resposta pelo modo como o papel saía da praça ― acrescentou Elodin, apontando para as ruas que criavam intervalos entre os prédios cinzentos. ― Sim. Não. Talvez. Noutro lugar. Em breve.
Encolheu os ombros.
― Mas foi tudo um equívoco. Uma tradução malfeita. Eles pensaram que Quoyan era uma raiz primitiva de quetentan: questão ou pergunta. Mas não é. Quoyan quer dizer “vento”. Isto aqui é acertadamente chamado de “Casa do Vento”.
A conversa não vai muito além disso, e logo Kvothe despede-se do Mestre para retornar ao quarto na Anker’s. Ainda assim... Sem sossego. Ele sabe que o seu sangue, que ficou na faca utilizada por um dos assassinos, ainda pode levá-los até ele. É por isso que não tem certeza do quanto o quarto pode ser seguro. Recolhe suas coisas e sai novamente, dessa vez levando uma garrafa de vinho vazia consigo em que enfia a camisa ensanguentada que usara no momento do ataque. Depois, decide lacrá-la e abandoná-la nas águas do rio Omethi, torcendo para que se procurassem-no, pensassem que estava indo embora para o sul.
Ah, na segunda vez que Kvothe retornou para o quarto, ele reparou no papel que estivera prendendo a janela e decidiu lê-lo. Era uma carta de Denna, deixada ali talvez uma onzena e meia antes, pedindo que ele a encontrasse até o dia 23 (quando Kvothe a lê já está no dia 28) para que pudessem ter o almoço atrasado. Ela também fala sobre a pessoa que conheceu na Eólica – e assumimos que foi com ele que Denna saiu de Imre. Kvothe fica arrasado, mas o que pode fazer? Ela realmente partiu dessa vez.
Capítulo 70 – Sinais
Aqui, Kvothe ainda está se recuperando da noite anterior. Acorda encolhido no canto de um quarto alugado numa hospedaria qualquer nas docas. Abatido, ele não sabe muito bem porque está ali. Conforme vai despertando, porém, relembra. É apenas após o banho e o desjejum que o garoto consegue pensar racionalmente.
Ciente de que se atrasará, ou talvez nem comparecerá, à aula na Iátrica, Kvothe está matutando enquanto costura a capa rasgada na noite anterior. É sem querer que entreouve o trecho de uma conversa entre dois homens:
Ciente de que se atrasará, ou talvez nem comparecerá, à aula na Iátrica, Kvothe está matutando enquanto costura a capa rasgada na noite anterior. É sem querer que entreouve o trecho de uma conversa entre dois homens:
― Eu estava na taberna quando trouxeram a notícia. Estavam juntando gente com carroças para poder buscar os corpos. O grupo inteiro da festa de casamento, mortinho, mortinho. Mais de 30 pessoas estripadas feito porcos, e o lugar todo queimado numa chama azul. E isso não foi o mais esquisito, pelo que... ― Ele baixou a voz e perdi o que estava dizendo em meio ao barulho geral do salão.
Sim. O Chandriano. Todo o resto é varrido da mente de Kvothe.
Apesar de não conseguir muito mais informações dos homens, o garoto suborna a mulher da hospedaria para dizer-lhe a quanto tempo fica Trebon, a cidadezinha onde o casamento aconteceu (ou não aconteceu, na realidade). Paga um pouco mais por provisões para a viagem, mas lembra que precisa de um cavalo veloz – e caro – se quiser chegar a Trebon e indagar sobre o que ocorreu, isso antes que a crendice do populacho influencie nos fatos e misture tudo.
Assim, o garoto corre para Devi. Antes de pedir o favor, porém, enquanto refaz o curativo deplorável de Kvothe (deixando evidente que já estudou na Iátrica), Devi conta sobre os boatos de que dois homens tentaram assaltar um garoto na noite anterior e se arrependeram muito, pois ele era o próximo Taborlin e invocou o fogo e o relâmpago para afugentá-los. Sim, ela sabe que foi Kvothe. O garoto conta o que aconteceu e que acreditava que os homens haviam sido contratados para matá-lo. Também pede a Devi um outro pequeno favor: que ela espalhe alguns boatos para manter aquela escória de Imre bem distante.
― Deixe escapar o meu nome. Deixe que saibam exatamente quem foi. Faça todo mundo saber que estou espumando de raiva e matarei o próximo que vier atrás de mim. Matarei os bandidos e quem os tiver contratado, os intermediários, a família deles, os cães deles, o bando todo.
O favor principal vem logo em seguida: o empréstimo de vinte talentos. Devi ri e não acredita, logo descartando o negócio pois ambos sabem que Kvothe não terá dinheiro para pagar, ainda mais com os juros, que aumentarão a dívida para trinta e cinco talentos. Devi está convicta de que não fechará o acordo, ainda que Kvothe entregue seu alaúde e a gaita de tubos da Eólica como segurança... Até que o ruivo faz uma proposta delicada e irrecusável: se Devi topar emprestar o valor, ele lhe dará acesso ao Arquivo.
“― E o que você tem que valeria 35 talentos?
― Acesso ao Arquivo.
Devi ficou imóvel. Seu sorriso de leve condescendência se cristalizou.
― Você está mentindo.
Abanei a cabeça.
― Sei que existe uma outra entrada. Ainda não a encontrei, mas vou encontrar.
― Isso soma um monte de incertezas ― ela retrucou, em tom cético. Mas seus olhos se encheram de algo mais do que um simples desejo. Algo mais próximo da fome ou da lascívia. Percebi que tinha uma ânsia tão grande de entrar no Arquivo quanto eu. Talvez até mais.
― É o que estou oferecendo ― declarei. ― Se eu puder lhe pagar, eu pago. Se não puder, quando descobrir a maneira de entrar no Arquivo eu a compartilharei com você.”
Ver o quanto Devi anseia por entrar no Arquivo e ter a certeza de que ela já esteve na Iátrica me deixa com uma gigantesca dúvida quanto ao motivo de ela ter sido expulsa da Universidade. Por que ela quer tanto acesso ao Arquivo? Será que estaria atrás de algum livro específico, de conhecimentos para continuar estudando mesmo sem estar na Universidade, ou poderia querer algo que estivesse lá dentro, mas não fosse necessariamente um livro (talvez atrás das portas de pedra)? Isso deixa a gente com um bocado de coisa para pensar sobre.
Esses foram os capítulos mais longos do livro, sem dúvida. E também quando as coisas ficaram decididamente interessantes. Se antes já era legal acompanhar a rotina e desventuras de Kvothe na Universidade, imagine agora que chegou aquele momento “a porr* ficou séria” e ele está partindo, pela primeira vez, atrás de pistas substanciais do Chandriano? Vem coisa boa por aí.
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