Viver sem ler é perigoso.

Resenha || O Menino Que Desenhava Monstros - Keith Donohue



Meninos e meninas, homens e mulheres, apressem-se para observar o fantástico mundo de Jack Peter e seus monstros.


  Título do Livro: O Menino Que Desenhava Monstros
  Autor: Keith Donohoue
  Editora/Tradução: DarkSide Books/Cláudia Guimarães
  Páginas: 260
  Ano de Publicação: 2016
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Frio, desbotado, sem cor, sem vida. É assim que podemos descrever as cores dos cenários do livro O Menino que Desenhava Monstros. Cercado por memórias vibrantes, coloridas, porém obscuras, o livro conta a história de um menino que tem problemas para lidar com o mundo ao seu redor. Com Síndrome de Asperger e fobia a lugares abertos, o pequeno Jack Peter nunca sai de casa e, se você for fazê-lo uma visita, o encontrará sempre com um lápis e papéis na mão. Isso porque JP adora desenhar. E o seu mais novo fascínio são monstros.




Escrito por Keith Donohue e publicado pela editora Darkside Books, o livro conta com 252 páginas de mistérios, suspense e enigmas que deixarão você confuso. Com uma edição impecável, o livro tem, em seu título na capa, auto relevo que o leva a sensação de que foi escrito a lápis ou a giz de cera. As ilustrações logo no começo do livro são de grande destaque, porque mostram a frieza que o livro quis passar do começo ao fim. Logo no final, existe um espaço para você interagir com o livro, um espaço onde, em cada parte específica, você pode desenhar seus monstros, medos, sonhos, lembranças, criaturas, pesadelos, angústias. Achei bastante interessante, mas não tenho certeza de que quero estragar esse livro maravilhoso com meus desenhos horrorosos. As artes nos capítulos são simples e delicadas e o fazem ficar à vontade lendo.
Tudo começa com um soco dado por Jack Peter a sua mãe, depois dela o ter chamado para levantar e o menino ter acordado sobressaltado e nervoso. É inverno, e a casa estala e geme, e tudo parece ganhar vida conforme você avança na leitura do livro. Com momentos assustadores sutis e delicados, a autora o faz prender a respiração em certas partes do livro, em uma leitura sufocante, para logo depois o acalmar com acontecimentos rotineiros, como se aquilo fosse tão banal como qualquer outra coisa. Os fatos se desenrolam de modo devagar e o que pude sentir foi um final rápido, com vários acontecimentos se desenrolando um acima do outro, como se a autora se apressasse para terminar o livro. Senti que 252 páginas não foram o suficiente, já que algumas perguntas não foram respondidas.
A autora trabalhou muito na personalidade de cada personagem, principalmente dos pais de JP. Holly, mãe de Jack Peter, a quem vale maior destaque nesta parte, foi a que mais me comoveu e, acredito eu, a que mais sofreu nesta história. Ter um filho recluso, que não gosta de brincar com outras crianças, odeia sair de casa e vive fechado para si a maior parte do tempo, não é uma tarefa das mais fáceis. Holly sentia a necessidade de ter seu filho em seus braços novamente, a necessidade de ser a mãe que acolhe, que protege, que afaga. Jip se mantém sempre distante dela e, com o golpe que recebeu em seu rosto, foi demais para ela. Inúmeras vezes na história você lerá o quanto ela aspira por seu filho de volta, o antigo e mais novo JP, o doce Jip. Holly sabe que seu filho está piorando e ficando cada vez mais desesperado e não descansa nem um segundo para tentar salvá-lo. Seu instinto materno o diz que há algo de errado e, meus caros leitores, eu lhes digo: ela sempre esteve certa.



Tim Keenan, o pai de Jack Peter, acredita sempre na melhora de seu filho. Não, para ele Holly está exagerando, Tim tem a total certeza de que Jip melhorara desde a primeira vez em que eles haviam notado que algo de estranho estava acontecendo. Tim sempre tenta manter sua esposa calma e a assegura de que está tudo bem, mas ela sempre fica inquieta em relação ao menino. Acredito que Tim não seja de muita importância na história; claro que ele é o pai de Jack Peter e que mantém — não um segredo, por assim dizer — um fato bastante delicado em seu passado, antes de Jip existir, mas acredito que a história estaria indo da mesma maneira com ou sem ele. Não acredito que foi um participante ativo e que algumas de suas ações contribuíram para mudanças no livro.
Também há o pequeno Nick Weller, único amigo de Jack Peter. Um pouco inocente e tímido, é sempre o que tem contato direto com as bizarrices de Jip. Sempre achando seu amigo muito estranho e assustador, Nick por diversas vezes sente medo de JP e das coisas que ele faz. Os dois amigos compartilham um episódio sinistro, dado pela raiva de Nick a um comentário ácido, porém inocente, de Jack Peter. Enquanto JP é o filho que nenhuma família quer ter, Nick é o preferido (ainda que ninguém diga isso), o garoto normal, o menino tão almejado por Tim e Holly. Em uma cena com a qual eu fiquei com o coração apertado, já que dois dos meus personagens preferidos estavam nele, há um momento de conexão entre Nick e Holly. Não darei muitos detalhes, mas faz com que a pobre mãe sinta novamente o que é ter uma criança em seus braços necessitando de sua proteção. E o desfecho dessa cena é tão brutal e delicado ao mesmo tempo, que senti meu coração pesar.
“Se eu pudesse fugir, pensou, eu fugiria. Se pudesse, atravessaria o oceano a nado, sem parar até chegar à outra margem. (...) E ainda que meus pais fossem sentir minha falta e que meus amigos ficassem sabendo que eu estava longe, eles acabariam se esquecendo de mim, e eu encontraria outras pessoas. E eu cortaria os laços. Eu me livraria dele para sempre.”

Jack Peter é um mistério. O menino é calado e são raros os momentos em que o narrador usa o seu ponto de vista. JP tem alguns acessos de fúria e descontrole e que são um pouco agoniantes ler. Confesso que, para mim, Jack Peter também estava cansado daquilo. Cansado de se esconder, de desenhar, de se manter calado. Cansado de dizer coisas que os adultos não acreditam e até mesmo cansado de Nick. Ele, mais do que ninguém, queria que aquela coisa que os espreitava fosse embora e que tudo estivesse por fim terminado. E, quando isso ocorre, você não tem ideia do que acontece no final.
Os pais de Nick, Nell e Fred, também são amigos dos pais de Jack Peter e por isso a aproximação dos garotos é sua maior interação. Eles confiam o seu filho para passar alguns dias na casa dos Keenan e é aí que a história começa de verdade. Nick tem um medo natural daquela casa, já que coisas estranhas vivem rondando o local: um monstro branco, um animal terrível, barulhos inexplicáveis e alucinações em cada canto (não sei muito bem se poderia chamar mesmo disso). Em todo o caso, os pais de Nick são alcoólatras, e o pequeno passa a maior parte do seu tempo sozinho. Talvez os pais de Nick fossem como Jack Peter para o senhor e a senhora Keenan. Ou talvez não.


Não posso deixar de mencionar o padre e sua governanta, a senhorita Tiramaku, dois personagens interessantes na trama. Eles foram as pessoas que tentaram ajudar Holly a descobrir o que estava acontecendo com a casa dela e com os acontecimentos esquisitos, tentando interliga-los ao naufrágio do Porthleven, um desastre que se deu há muito tempo. Algumas perguntas em relação aos dois não foram respondidas ou talvez não totalmente esclarecidas. Esperava ler uma explicação mais esmiuçada da relação entre a srta. Tiramaku e Jip, mas se apareceu no livro eu sinceramente não notei.
“Não tenha tanta certeza sobre as coisas que não pode ver. A mente conjura o mistério, mas é o espírito que fornece a chave.”

Apesar da trama ser bem curiosa e cheia de armadilhas para confundir o leitor e o fazer se perder em suas teorias, a história chega em um momento que se arrasta. Tantas vezes eu me peguei suspirando na leitura, não de alegria, mas de cansaço. A maneira como o autor teclou sempre na mesma tecla, falando sobre os mesmos sentimentos, as mesmas coisas, me deixou cansada. Sempre era Holly triste com seu filho e Tim com seus devaneios. As únicas partes que me deixavam curiosa eram as de Jack Peter (que, às vezes, também se mostravam sem graça) e as de Nick que, para mim, sempre eram as interessantes. Há partes que também foram desnecessárias, parágrafos que, se retirados do livro, não fariam diferença alguma. O livro também se prende muito ao passado, constantemente voltando lembranças, algumas sendo chaves para partes importantes no livro. O que realmente me decepcionou, foi a maneira rápida e rasa que o autor terminou o livro, colocando apenas aquele final como abertura para um novo começo. 
Comentando um pouco sobre os monstros que Jack Peter desenhava, não fugi muito da minha teoria sobre o que eles realmente significavam. Parece que JP desenhava não seus monstros, não monstros como demônios ou algo do tipo. Mas os monstros de outras pessoas, seus medos, suas inseguranças, seus erros mais sombrios. Ele traz à tona seus monstros interiores, aquilo que os deixava ou já deixou loucos algum dia. Isso foi muito interessante para mim, porque não era qualquer monstro, era como se Jip soubesse exatamente como assustar alguém, mexendo com seu psicológico através dos próprios demônios de outras pessoas. Posso ter em algum momento interpretado de maneira errada, porém essa foi a única conclusão que cheguei.
Algumas coisas ficaram em névoa para mim, mesmo depois de ter terminado a leitura do livro. Alguns porquês continuaram e, só depois de pensar um pouquinho foi que consegui chegar a alguma conclusão plausível. Mas nada que eu vá contar a vocês, fiquem tranquilos, leitores.


O Menino que Desenhava Monstros não é um livro assustador do tipo que te aterroriza com cenas de agonia e susto. Esse livro é um terror para refletir e pensar, é algo delicado e, se lendo apenas por superfície, estranho e sem sentido, afinal, a resposta para algumas perguntas se encontram em lugares pequeninos. Se você está procurando um livro para tomar sustos e tremer de medo, então O Menino que Desenhava Monstros não é para você. Esse livro precisa ser lido de maneira calma, porque a própria história se passa de maneira arrastada. Ele te prende, não de maneira avassaladora, mas de modo sutil, e gradativamente. Não digo que foi um dos melhores, mas um livro curioso, que vale a pena ser meditado.


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Este post foi escrito por Rebeca Pereira.

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