Enquanto escrevo essa postagem, The Rumbling - SiM toca no último volume nos meus fones de ouvido. Acho que é a primeira vez na vida que consigo escrever e escutar simultaneamente. A letra penetra em meus ossos de forma absurda, e todas as mensagens subliminares que estavam escondidas na abertura da última temporada de repente estão às claras. Todo o anime resumido em uma letra visceral, escrita pela banda de metal alternativo japonesa SiM especialmente para a abertura da temporada final do anime.
Quando Attack on Titan foi lançado, lá em 2013, eu lembro de ter assistido os primeiros episódios. Não posso afirmar se gostei ou não, pois um hábito Celly prevaleceu: acabei abandonando antes de a primeira temporada finalizar. Normalmente sou impaciente e não costumo ficar presa nem mesmo a séries de que acabo gostando. Esqueço de assistir, deixo para lá e vou buscar um livro.
Com Shingeki no Kyojin, porém, foi diferente. De repente a hora de assistir (à noite, com meu namorado ao lado) tornou-se um dos momentos mais aguardados por mim. Os dias em que não podíamos assistir eram uma tortura. Foi assim que em pouco menos de duas semanas finalizamos as quatro temporadas.
Se você ainda não assistiu, te recomendo duas coisas: não preste atenção na letra de The Rumbling, e não leia essa postagem. Apesar de todas as referências da música não serem tão evidentes enquanto você não finalizar o anime, corre o risco de ter um ou outro spoiler. Quanto a esta postagem aqui, com certeza ela terá muitos spoilers. Siga por sua conta e risco.
Attack on Titan tem uma história fascinante. Você passa a maioria dos episódios pensando que ele fala sobre os titãs e tudo o que a existência deles traz tanto para os Eldianos quanto para a humanidade. Então chega no final e descobre que nunca foi sobre isso: é a história sobre como Eren Jaeger salva a própria raça, a humanidade como um todo e principalmente, aqueles que ama. Os titãs que tanto atormentam nos primeiros episódios - aqueles sem consciência, devoradores de gente, movidos pelo impulso de matar - tornam-se secundários. E até o último momento a história te engana sobre onde realmente vai chegar.
O enredo em si é incrível. Você tem um grupo de pessoas recolhido na Ilha Paradis, relegado àquele pedaço de terra afastado da civilização, com os Eldianos vivendo em uma prisão que jamais imaginaram ter sido construída meticulosamente para si. Durante cem anos, eles vivem em relativa paz, protegidos por três imensas muralhas, que os divide do mundo externo - para eles, um mundo habitado por titãs devoradores de gente.
Essa paz é rompida quando dois titãs conscientes - que mais tarde descobrimos serem dois dos Nove Titãs originais - quebram a muralha e permitem que centenas ou milhares de titãs invadam o Distrito de Shingashina, marcando o que ficaria conhecido como A Queda de Shingashina.
É neste contexto que conhecemos Eren Jaeger, Armin Arlert e Mikasa Ackerman. A seu modo, eles perdem tudo naquele dia. Mas como descobrimos posteriormente, Eren já havia perdido tudo muito tempo antes.
Eu só assisti o anime uma vez (e não sei se terei a coragem de assistir de novo), então posso deixar algumas coisas passarem batidas por aqui. Mas achei fascinante o conceito de entrelaçar passado, presente e futuro que está interligado ao poder do Titã Fundador. E você entende cada uma das decisões de Eren quando toma consciência disso. Que plot twist magistral, meus amigos!
A construção dos personagens é de uma qualidade impossível de descrever. Nenhum personagem é irrelevante, nenhum personagem é aleatório. Até aqueles com pouco tempo de tela têm uma importância fundamental. A história é sobre o sofrimento de cada um deles - e o nosso também, que assistimos, e nos deparamos com tanta tragédia, desgraça e morte. Mesmo sendo leitora de George R.R. Martin, me vi chocada com o tanto de sofrimento que o autor de Shingeki no Kyojin imprimiu em seus leitores e espectadores. Cada morte era uma apunhalada direta no meu coração - e no do Eren. Por isso, mesmo com todas as atitudes controversas que ele tem no final, não se torna difícil de entender. O anime faz com que você se torne Eren.
Cada um dos sobreviventes do Reconhecimento e os aliados que vêm posteriormente são forjados pela dor e pelo peso de serem Eldianos em um mundo que os teme e odeia por supostamente serem os moinstros que jamais foram (até Eren entender que precisa sê-lo). Zeke tem o sonho da eutanásia, tornando todos os Eldianos inférteis para que não produzam mais nenhum descendente que carregue em si a genética para transformar-se em titã, até que a própria raça seja extinta; Eren tem o sonho de que o mundo exterior não odeie os Eldianos, sendo capaz de exterminar 80% da humanidade para tanto; Armin tem o sonho de uma comunidade mundial unida e em paz, acreditando que o diálogo é capaz de, aos poucos, reduzir o temor universal direcionado aos Eldianos. Como dizer que qualquer um dos três está errado?
Vejam bem. Confesso a vocês que fiquei assustada com a determinação de Eren em exterminar a humanidade - o que parece ser seu objetivo até o último episódio -, mas quando você descobre a real intenção, você finalmente entende. Tudo, desde antes de o próprio Eren nascer, já estava determinado. Talvez desde quando Ymir decidiu entrar naquela raiz, tornando-se a primeira Titã, tudo o que aconteceu já estivesse escrito. E é quando Eren toma consciência disso que ele se torna uma pessoa reclusa, cruel e mesquinha. Ele sabe que precisa agir daquele jeito. Ele sabe que precisa abrir mão da própria humanidade para afastar aqueles que ama e obrigá-los a fazer o que eles precisam fazer. Ele sabe que esse é o único caminho para que eles tenham, pelo menos durante um curto período de tempo, a paz que foi roubada dos Eldianos durante tantos anos.
O final é um dos mais tristes que eu já tive o (des)prazer de acompanhar. Não sei dizer para vocês se gostei ou não de ter assistido. É um final extremamente adequado, e se não fosse desse jeito, talvez eu acabasse nem gostando tanto do anime. Mas ainda assim é um final que te destroça. Não foi feito para trazer alegria ou uma sensação boa. É um final injusto, cruel e até mesmo sádico. Uma das cenas que mais partiu meu coração em toda a história da ficção foi aquela em que Eren admite que não quer morrer, não quer ser esquecido pela Mikasa e não quer ter que deixar os amigos. Enquanto escrevo isso, uma lágrima solitária desce pela minha bochecha. Meu Deus, que final absurdo para um personagem que entregou tudo o que tinha!
Aliás, é interessante mencionar que durante boa parte do anime eu simplesmente odiei Eren. Achei-o um personagem meio Harry Potter, daqueles que não chegaria muito longe sem o apoio dos melhores amigos - no caso, Mikasa, Armin e todos os outros. O que não deixa de ser verdade, né? Mas quando você pensa que todas as decisões que ele tomou, desde a infância, eram voltadas para o único objetivo do Estrondo da Terra e tudo o que veio depois disso, faz sentido. Ele não poderia ter agido diferente, porque um futuro diferente significaria a perseguição e extinção dos Eldianos. A conversa de Armin não teria dado certo, e a eutanásia de Zeke não traria segurança para o restante do mundo - como vemos em uma das cenas no último episódio em que soldados Marleyanos sobreviventes direcionam suas armas para os últimos Eldianos que restaram além das muralhas, temendo que se tornem titãs, mesmo depois de terem lutado juntos. Se Eren não avançasse sobre 80% da humanidade, obrigando os próprios amigos a tomarem a decisão de matá-lo, será que os Eldianos poderiam sequer sonhar e ter esperanças de um futuro de paz? E a própria humanidade, será que teria descanso com os Marleyanos se apossando do Titã Fundador, esmagando civilizações e escravizando os sobreviventes?
E como tudo o mais que acontece no anime, que é tão repleto de fantasia ao mesmo tempo em que reflete tão bem a realidade, o final-depois-do-fim não poderia ser diferente. Nos créditos você vê uma Ilha Paradis evoluindo ao longo de centenas de anos, talvez milênios, só para ser bombardeada e exterminada em determinado ponto. Tudo sendo observado do mesmo ponto de vista: a árvore sob a qual Eren apareceu descansando no primeiro episódio, e que também se tornou seu local de descanso após a morte.
Várias conclusões podem ser tiradas daí: será que os Eldianos foram atacados como uma represália pelo Estrondo da Terra? Eu, sinceramente, acho que não. Na minha concepção, aquelas cenas dos créditos demonstram que não importa o quanto você lute pela paz, a crueldade humana sempre irá prevalecer. Se você quiser uma visão superficial, podemos dizer que Attack on Titan tem a melhor construção de herói que se torna vilão da história da ficção. Mas na minha opinião, ele está longe de ter virado um vilão; a verdadeira antagonista aqui é a crueldade humana.
Em minha concepção, o final retrata os reflexos de uma guerra mundial que se abateu inclusive sobre Paradis, destruindo-a completamente. Então os anos continuam avançando, até que vemos um homem andando em uma Paradis tomada pela natureza, que de repente decide entrar na raiz da mesma árvore sob a qual Mikasa enterrou Eren. E aí fica o questionamento: será que a história se repetirá? Aquele homem fará um acordo com o que quer que tenha restado do Titã Fundador? Eren assumirá a posição de Ymir nos Caminhos, tornando-se eternamente um fantasma aprisionado em seu corpo de criança, com os olhos vendados pelo sofrimento que precisou aguentar em vida?
Acho que no final, a mensagem é clara: a humanidade está fadada a repetir os mesmos erros, vivendo em seu próprio ciclo de dor e sofrimento, por toda a eternidade. Não existe um começo feliz, um meio feliz e tampouco um final feliz. Então após tudo isso, acho que posso deixar minha mensagem final: eu te odeio, Hajime Isayama.