Viver sem ler é perigoso.

Resenha || Pequenos Deuses - e uma grande história




  Título da Série: Discworld
  Título do Livro: Os Pequenos Deuses (13º livro)
  Autor: Terry Pratchett
  Editora/Tradução: Bertrand Brasil/Alexandre Mandarino
  Páginas: 308
  Ano de Publicação: 2015
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  Outras resenhas da série: Pequenos Homens Livres (30º livro)
  Livro cedido em parceria com a editora.
  

Sinopse Em Pequenos Deuses, Terry Pratchett faz uso de seu ácido humor para desenvolver uma crítica mordaz à religião institucionalizada. No Discworld — mundo palco de suas dezenas de histórias de sucesso —, o deus Om percebe, ao tentar se manifestar na Terra, que ficou preso no corpo de uma pequena tartaruga. Precisará, então, contar com o auxílio do noviço Brutha para descobrir como recobrar seu poder — e a crença que lhe dá vida — ao mesmo tempo em que grandes figu

    

Lu Tze, um dos monges/curadores de Discworld.
Em Discworld nada acontece por acaso. Os curadores da história são responsáveis, apenas observando, por transformar acontecimentos simples em fatos históricos. Eles existem e são milenares, isso é indiscutível. E é nas altas montanhas de Ramtops que está localizada a imensa biblioteca da qual cuidam, com os mais de 21 mil livros da história do mundo: são volumes encadernados em couro medindo três metros de altura, com letras tão minúsculas que você só consegue ler o conteúdo utilizando uma lupa. Quando a gente fala que algo “está escrito”, nem faz ideia do quanto isso é verdade.Os eventos que acontecem em Pequenos Deuses só se tornaram importantes porque um curador da história esteve em Omnia para presenciá-los. Se Lu Tze não tivesse partido em sua jornada de anos para a cidade, levando consigo uma esteira, uma vassoura e as montanhas Ramtops, tudo teria sido em vão. Ainda bem que ele estava lá. A história desse noviço que passa a ser responsável pela existência de seu deus é interessante até pra nós, daqui desse outro multiverso, conhecermos. Quem sabe a gente aprenda algumas coisas, né?
Brutha e Om, uma tartaruga que parece e age como um jabuti...
Em Pequenos Deuses, há a Igreja Omniana, que possui um vasto império, fieis que fazem tudo o que ela – mais precisamente o detestável Diácono Vorbis, um exquisidor – ordena e um exército disposto a entrar em guerra a qualquer momento. Se de um lado você possui todo esse poder, de outro você tem Brutha. E o Grande Deus Om... Na forma de uma tartaruga caolha. Ele a princípio não sabe porque não consegue assumir qualquer outro corpo grandioso – como uma águia ou um búfalo –, mas com o passar do livro finalmente compreende. Om trata-se uma divindade com milhares de fiéis, mas ao mesmo tempo tem apenas um: o analfabeto, improvável e ignorante Brutha, um reles noviço. Não fosse por ele, Om poderia acabar no limbo dos Pequenos Deuses: o deserto onde eles são esquecidos e tornam-se mera lembrança do que foram ou poderia ser. A obra trata da jornada de Om e Brutha: tanto aquela que compartilham, quanto a pessoal, com o garoto aprendendo a não acreditar piamente em tudo que a Igreja afirma – afinal de contas, a maior parte do Livro do Septauteco não passa de mentiras das quais nem o próprio Om tinha conhecimento. O noviço aprende também a duvidar de um sistema no qual acreditava com a maior sinceridade do mundo: a Quisição, o único meio de expurgar os pecados de um pecador. No começo do livro você vê Brutha afirmando sem hesitar que é para isso que ela existe, mas conforme ele aceita uma nova percepção sobre o mundo, a afirmação fraqueja até cessar.


Há bilhões de deuses no mundo. Formam um bando mais numeroso do que ovas de arenque. Muitos deles são pequenos demais para serem vistos e nunca são adorados, pelo menos não por algo maior do que bactérias, que nunca fazem suas orações e não são muito exigentes em termos de milagres. [...] São os pequenos deuses – os espíritos dos lugares onde duas trilhas de formiga se cruzam, os deuses dos microclimas abaixo dos gramados. E a maioria deles continua assim. Porque lhes falta crença.

O livro é justamente isso: ele questiona e satiriza muitos aspectos religiosos, e até mesmo a Filosofia. É brilhante porque o faz sem promover qualquer tipo de desrespeito. É recheado de humor e nos deixa pensando: as pessoas acreditam mais em seu deus ou na instituição que o representa? E àqueles que se acham responsáveis por nos punir: até onde vai sua hipocrisia? São como a avó que Brutha, que na infância o espancava todas as manhãs por tudo aquilo que ele ainda iria fazer... E o garoto achava correto, justo e sensato. Ao menos no início.

Há outro questionamento que a obra levanta: a divindade existe por si só ou apenas porque acreditam nela? É o que acontece com Om. Entre todos os habitantes de Omnia que oram a ele todos os dias, apenas um acredita verdadeiramente em sua essência. Os outros oram para ele, temem diante de suas estátuas e representações de chifres dourados, pedem milagres e choram de emoção ao achar que receberam alguma mensagem... Mas nem por isso deixam de ser cegos e surdos à Verdade de Om. Complicado, né?


(...) não pode ser somente ele que crê em mim. Realmente em mim. Não em um par de chifres dourados. Não em um grande edifício. Não no temor do ferro quente e das facas. Não em pagar o dízimo de seu templo só porque todo mundo faz isso. Apenas no fato de que o Grande Deus Om realmente existe.

Bem, eu não poderia finalizar essa resenha sem citar alguns personagens. Temos o Sargento Simony,  ateu convicto que não acredita no Grande Deus Om nem quando este fala com ele na frente de uma multidão. Há Didátilos, o filósofo efebiano que escreveu o Chelonian Mobile (A Tartaruga Se Move!) e influenciou no surgimento da teoria que contraria a Verdade Suprema do Livro do Septauteco: o mundo não é uma esfera nem orbita ao redor do sol – nada disso. Ele na verdade é plano, assentado nas costas de elefantes, que se equilibram sobre uma tartaruga cósmica gigante.* Sim.


Bem, do meu ponto de vista, lógica é só uma forma de ser ignorante seguindo o manual. (Didátilos sendo brilhante).

*Houve quem acreditasse na teoria. E não duvido que pessoas assim ainda existam... Mas vai que elas estão certas, né? Hahaha

Temos também o Diácono Vorbis, que todos pensavam ser o profeta. Não há melhor modo de descrevê-lo de forma justa senão pela perspectiva de Om:


Mas Om lembrou-se da expressão absorta de Vorbis, um par de olhos cinzentos diante de uma mente tão impenetrável quanto uma esfera de aço. (...) Havia alguém que provavelmente viraria um deus ao contrário, só para ver o que aconteceria. Alguém que derrubaria o universo, sem pensar nas consequências, apenas em nome do conhecimento do que aconteceria se o universo fosse virado ao contrário...

Por fim, aquela que menos pude conhecer neste livro, mas que me deixou louca de curiosidade e foi decisiva na minha escolha de ler os próximos: A MORTE. EM CAIXA ALTA PORQUE ELA SÓ FALA ASSIM.





I. Isto Não É Um jogo.
II. Aqui E Agora, Você Está Vivo.

    

Uma singela homenagem ao escritor desse mundo fantástico, que nos abandonou em 2015. Como será que foi atravessar o seu deserto, Terry? Quanto tempo durou?



Outros livros da saga Discworld (sim, são 39!): A Cor da Magia || A Luz Fantástica || Direitos Iguais, Rituais Iguais || O Aprendiz de Morte || O Oitavo Mago || Estranhas Irmãs || Pirâmides || Guardas! Guardas! || Fausto Eric || A Magia de Holy Wood || O Senhor da Foice || Quando as Bruxas Viajam || Pequenos Deuses || Lordes e Damas || Men at Arms || Soul Music || Interesting Times || Maskerade || Feet of Clay || Hogfather || Jingo || The Last Continent || Carpe Jugulum || The Fifth Elephant || The Truth || Thief of Time || The Last Hero || The Amazing Maurice and his Educated Rodents || Night Watch || The Wee Free Men || Monstrous Regiment || A Hat Full of Sky || Going Postal || Thud! || Wintersmith || Making Money || Unseen Academicals || I Shall Wear Midnight || Snuff.






     

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