Caminho das Sombras || Uma análise elaborada

Caminho das Sombras é o primeiro livro da trilogia Anjo da Noite. O livro se passa a oeste de Midcyru (acesse o mapa clicando aqui), num reino chamado Cenária, onde nosso protagonista nasceu e cresceu. Azoth era apenas um garoto das Tocas, um lugar medíocre e imundo afastado da parte civilizada de Cenária. Quando o vemos pela primeira vez, ele tem onze anos e está catando moedas debaixo de uma taverna, pois precisa ter o suficiente para pagar uma espécie de pedágio ao Punho (basicamente o valentão e carrasco) da Guilda da qual faz parte. As Guildas não passam de gangues ambulantes que assaltam, furtam e matam Tocas adentro, disputando entre si o controle de determinadas porções dessa parte da cidade de Cenária.
Azoth pertence à Guilda do Dragão Negro, que está sujeita à crueldade de Rato, o Punho. Consigo ele tem apenas Jarl e a Menina-Boneca, crianças de rua que sobrevivem com ele à miséria que impera nas ruas. Como a Menina-Boneca tem apenas oito anos de idade, Jarl e Azoth se sentem responsáveis por poupá-la dos infortúnios da vida. Isso não significa que Azoth seja valente – ele até é corajoso, mas não passa de uma criança. Teme as ruas, teme os valentões, teme a patrulha da cidade, teme Rato e seus asseclas.
“Azoth tentou falar, mas sua garganta estava tão contraída que ele só conseguiu ganir. Rato riu de novo e todos o acompanharam, alguns apreciando a humilhação, outros apenas com a intenção de deixa-lo de bom humor. Ódio percorria o corpo de Azoth. Odiava Rato, odiava a guilda, odiava a si mesmo.”
É por isso que quando tem um vislumbre de Durzo Blint, naquela mesma ocasião em que catava moedas sob a taverna, se sente são esperançoso. É por isso que certo dia, quando Durzo acaba se deparando com uma amardilha da Dragão Negro e ri na cara de Rato, Azoth tem a certeza de que quer ser aquele homem: tão forte e corajoso a ponto de debochar daquilo que faz ele, o próprio Azoth, tremer de pavor. O garoto ainda leva um tempo para enfim começar a trilhar o seu destino com Mestre Blint, e precisa de um empurrão de Rato para tanto – algo envolvendo atrocidades inomináveis que o Punho comete com os únicos amigos que Azoth tem. E, ainda que pequeno, após insistências e testes, o garoto consegue se tornar aprendiz do melhor derramador de todos os tempos.
“(...) Essa não é a vida que você deseja ter. (...) Se vir comigo, terá que abrir mão de todo o resto. Quando começar a fazer o que faço, nunca mais será o mesmo. Vai ficar só. Vai ser diferente. Sempre. E isso não é o pior. Não quero amedrontá-lo. Bem, talvez queira. Mas não estou exagerando. O pior, garoto, é o seguinte: os relacionamentos são uma corda. O amor é uma forca. Se você vier comigo, terá que desistir do amor. Sabe o que isso significa?”
Azoth leva uma vida dupla e ao mesmo tempo torna-se Kylar Stern, um suposto baronete falido e acolhido na casa de Conde Drake. Se por um lado ele cresce sendo educado como um nobre, à noite une-se às trevas em seu treinamento para se tornar um derramador. Durante as tardes, aprende a ler com Mama K, a mais famosa ex-cortesã (e Senhora dos Prazeres) que tem sob seu poder todos os prostíbulos de Cenária. Após dez anos sob o treino árduo de Durzo Blint, Kylar Stern é Azoth, e Azoth é Kylar Stern. Ainda um nobre assassino, pois aparentemente sem Talento, Kylar não pode se considerar derramador. Seus conhecimentos sobre venenos, armas brancas e luta corporal extrapolam as expectativas de Durzo Blint, mas ainda assim Kylar se mostra uma decepção. Sua única salvação é vincular-se a um ka’kari e despertar o Talento que tem e si. Só tem um porém: o ka’kari também está nos planos do Deus-Rei que governa a nação de Khalidor e Garoth Ursuul, o Deus-Rei no momento em que se passa o livro, fará de tudo para obtê-lo.
“Dois significados diferentes. O seu nome é assim: significa ao mesmo tempo aquele que mata e aquele que é morto.”
KYLAR STERN [Créditos].
Agora vamos expandir um pouco mais esse universo?
Outros personagens importantes
Derramadores x assassinos
Outros personagens importantes
Há uma gama de personagens com bastante relevância nesse livro, e abordá-los um a um tornaria essa resenha triplamente maior. De forma concisa, posso dizer que cada personagem que tenha recebido, à primeira vista, um tratamento e descrições mais detalhados, será importante para a trama geral. Isso inclui Solon Tofusin, Dorian e Feir, três amigos treinados no Sho’cendi, uma academia para aqueles que têm Talento, localizada em Modai. Eles são decisivos para a trama, especialmente Dorian, que com seu dom da profecia é quem leva os dois amigos rumo a Cenária atrás de Kylar Stern – segundo ele, peça decisiva para as trevas que enfrentarão no futuro, embora não saiba explicar como. Em outras palavras, nosso Azoth/Kylar talvez seja filho de uma profecia.
Outros personagens importantes são o Conde Rimbold Drake, por quem desenvolvi uma afeição sem tamanho; Logan Gyre, que atravessa a adolescência com Kylar Stern e se torna seu melhor amigo; o General Brant Agon, que trabalha diretamente com o Rei, e é o mais aplicado e íntegro de seus servidores; e, por fim, Elene Cromwyll, Roth Ursuul e Jarl, sobre quem não darei detalhes para não acabar soltando spoilers.
Derramadores x assassinos
“(...) É por isso que assassinos têm alvos. Derramadores têm vítimas. Por que os chamamos de vítimas? Porque, quando aceitamos o serviço, o resto de suas curtas vidas é mera formalidade.”
Os derramadores estão uma categoria acima dos assassinos, são a elite, a mais alta estirpe quando se trata de matar. Eles obrigatoriamente possuem Talento, a magia mais utilizada no universo fictício de Brent Weeks. Pelo que pude ver neste livro, os derramadores acreditam em uma espécie de divindade a quem chamam de Anjos da Noite. Há vários derramadores em Cenária, mas Durzo Blint é o melhor deles. É também a pessoa com o mais excepcional Talento, pelo menos até então, que o usa constantemente para tornar seu trabalho mais fácil. Blint tem suas próprias regras, entre elas não matar além do necessário, mas existem outros, como Hu Gibbet, que não se incomodam em deixar um rastro de inocentes mortos em seu caminho rumo ao alvo principal. Derramadores normalmente possuem aprendizes, exceto por Durzo (pelo menos assim foi até conhecer Azoth).
Derramadores também são mercenários, isso porque trabalham através de contratos daqueles que podem pagar, com os valores aumentando conforme a dificuldade da execução. Simular um suicídio, por exemplo, é mais dispendioso do que simplesmente decepar a cabeça de um camarada. Por fim, eles têm uma espécie de juramento mágico que os liga permanentemente ao Shinga (explico melhor sobre essa figura abaixo), embora não seja regra.
“A vida é vazia. Quando tiramos uma vida, não estamos tirando nada de valor. Derramadores são matadores. É só isso que fazemos. É só isso que somos. Não há poesia no ofício da amargura.”
DURZO BLINT [Créditos].
O sistema de magia
Como dito anteriormente, a magia mais utilizada é o Talento. Eu poderia explicar aqui em cinco parágrafos sem conseguir fazê-los entender, então aqui retiro uma fala da irmã Nile [página 145 do livro na edição física]:
“As pessoas em geral falam sobre ‘ter o Talento’ como se fosse algo simples. Só que não é. Três coisas precisam funcionar juntas para um homem ou uma mulher virarem magos. A primeira é a glore vyrden, que é mais ou menos a sua magia de vida. Talvez a magia coletada por meio de seus processos de vida, como a energia que absorvemos da comida, ou talvez venha da sua alma... Não sabemos, mas é interna. Metade das pessoas tem uma glore vyrden. Talvez todos tenham, mas em geral ela é pequena demais para ser detectada. Em segundo lugar, algumas pessoas têm um canal condutor ou um processo que traduz esse poder em magia ou ação. Ele costuma ser muito fino. Às vezes está bloqueado. Mas digamos que uma carroça repleta de feno caia em cima do irmão de um homem... nessa situação extrema, o homem talvez consiga recorrer à sua glore vyrden pela única vez na vida e levantar a carroça. Por outro lado, homens que têm glore vyrden e um canal condutor bem aberto tendem a ser atletas ou sodados. Seu desempenho às vezes é muito melhor do que o dos outros à sua volta, mas por outro lado, assim como os demais, precisam de tempo para se recuperar. A quantidade de magia que conseguem usar é pequena e se exaure depressa. Se você lhes dissesse que estão usando magia, eles não iriam acreditar. Para ser um mago, um homem precisa também de um terceiro componente: deve ser capaz de absorver magia da luz do sol ou do fogo, de modo a repor infinitas vezes sua glore vyrden. A maioria de nós absorve luz pelos olhos, mas algumas pessoas o fazem pela pele.”
Então entramos na questão do ka’kari. Esse é um dos artefatos mágicos da trilogia. É necessário a pessoas como Kylar Stern, que têm glore vyrden e podem absorver magia, mas não possuem um canal condutor para externar o Talento. Kylar precisa de um ka’kari, porém não está exatamente interessado em obtê-lo. Equanto isso, outras pessoas, como o Deus-Rei, simplesmente o querem porque o portador de um ka’kari se torna imortal e ganha poderes ilimitados de acordo com o elemento que o ka’kari representa. Existem oficialmente seis desses artefatos, que são bolas metálicas brilhantes que conferem ao portador capacidades incríveis. Só tem um porém: lembra da Varinha das Varinhas de Harry Potter? Pois é. O ka’kari só funciona com você, você só poderá ser um ka’karifeiro, se aquele que o possuía anteriormente estiver morto. E isso é uma das problemáticas da trama do livro.
DERRAMADOR UTILIZANDO PODERES CONFERIDOS PELO TALENTO (MISTURAR-SE ÀS SOMBRAS) E KA'KARI (INVISIBILIDADE PARCIAL). [Créditos]
Além do Talento (normalmente utilizado por derramadores e magos), temos também o Vir, que é utilizado especialmente por Meisters, Vürdmeisters e a linhagem do Deus-Rei. De forma a insultá-los, aqueles que combatem com o Vir são chamados de bruxos. É comum os Khalidori utilizarem esse sistema de magia: em uma prece, que na verdade trata-se de um feitiço, destinado à deusa Khali, eles esvaziam sua glore vyrden, que é absorvida pela deusa. Ela então retorna a eles a quantidade que quiser de Vir. Ao entrar em contato com o usuário, ele abrirá novos caminhos condutores para seu Talento, fortalecendo-o, e se manifestará na pele do Meister, Vürdmeister ou quem da linhagem Ursuul o estiver usando através de complexas tatuagens negras intrincadas.
VÜRDMEISTER COM O VIR. [Créditos]
Aproveitando para entrar na categoria de criaturas: elas não aparecem muito no livro, com a exceção dos vermes do abismo, que podem ser conjurados por qualquer Vürdmeister. Antes de o verme em si surgir, há o aparecimento de um homúnculo que se fixa no alvo desejado. Então algo semelhante a uma fenda no espaço-tempo é aberta, o verme surge e suga o homúnculo e o que houver ao seu redor.
É o submundo do crime que governa Cenária nos bastidores, desde os garotos de Guilda que vivem nas Tocas até as decisões do Rei Aleine IX em seu trono (ainda que ele não saiba disso). Sa’kagé significa literalmente Senhores das Sombras, e embora pareça algo ruim, ao ler a obra você verá que de certa forma são eles que protegem Cenária. O Deus-Rei, por exemplo, sabe que para conseguir invadir o reino terá de comprar e corromper o Sa’kagé – pois se os Senhores das Sombras não quiserem ceder Cenária, ela não será dominada e fim da história.
O Sa’kagé tem um Shinga, que é basicamente quem controla tudo. Então daí você imagina o quanto assumir o papel é perigoso para aquele que decide fazê-lo. Se tornar Shinga não é nada difícil, o complicado mesmo é se manter lá... E, além dessa figura importante do Sa’kagé, também temos os Nove, que são o Conselho contendo os nove membros mais importantes desse submundo, entre eles o Mestre das Moedas e a Senhora dos Prazeres, por exemplo.
“Todo mundo no Sa’kagé sabe quem é seu chefe. Os mais inteligentes sabem quem os representa nos Nove. A identidade do Shinga, claro, é um segredo aberto, ou seja, não é de modo algum um segredo. Quem entender isso e juntar alguns ladrões e putas consegue entender toda a estrutura de poder do Sa’kagé.”
Eu preciso comentar sobre a resistência. Foi o momento mais lindo do livro, em minha opinião, o ponto mais alto em termos de narração emotiva. Tudo sob a perspectiva da incrível Terah Graesin. Abaixo transcrevo um trecho:
“Por todo o lado leste, os grandes casarões começaram a pegar fogo, um após o outro. Eram as piras funerárias das grandes fortunas. (...) Mas os incêndios da destruição eram também símbolos de esperança. Vocês podem ter vencido, dizia Cenária, mas sua vitória não é um triunfo. Podem me expulsar da minha própria casa, mas não vão morar nela. Não lhes deixarei nada a não ser uma terra calcinada. (...)
Em resposta a esses grandes incêndios, outros menores também foram surgindo por toda a cidade. (...) Donos de gado mataram seus rebanhos. Capitães confinados ao Plith pela magia dos bruxos afundaram as próprias embarcações. (...)
Milhares de pessoas se juntaram ao êxodo. O filete de nobres com seus criados virou um dilúvio. O dilúvio virou multidão, um exército a marchar para fora da cidade. (...) Alguns deixaram para trás irmãos, irmãs, pais e filhos, mas cada um daqueles órfãos e órfãs de Cenária carregava no coração uma pequena e tênue esperança. (...) Eu vou voltar, jurava essa esperança. Eu vou voltar.”
Esse foi o primeiro livro do Brent Weeks e que estreia, gente! Adorei a narrativa e o quanto me senti imersa na história. Lembrou-me bastante a sensação que tive com O Nome do Vento: sofri com Kvothe tanto quanto sofri com Azoth. O sofrimento de ambos não é derivado algo que aconteceu consigo, mas de ver a crueldade e a dor acometer aqueles a quem amam. Isso é devastador e Weeks conseguiu passar o sentimento com sua escrita, incluindo a agonia de Azoth/Kylar quando se viu diante da difícil decisão de escolher entre as duas pessoas que mais lhe são importantes.
Os personagens conseguem nos cativar com facilidade. A trama é interessante e o autor soube muito bem terminar os capítulos em momentos de clímax. Largar o livro para dormir ou voltar ao mundo real eram momentos sofríveis para mim, pois eu queria saber o que havia acontecido, eu queria saber o final da história...
A editora deixou passar alguns erros de revisão, mas nada que atrapalhe a leitura. Foram tão poucos que mal recordo deles. A diagramação está confortável, talvez a única coisa que não me agradou na obra tenha sido a capa – a achei um pouco sem sal e não compraria se a visse. Mas que bom que escolhi receber da parceria da editora, porque definitivamente foi uma obra que entrou para as minhas favoritas.
“Kylar não diminuiu a velocidade. Parecia um tufão. Ele era a primeira face dos Anjos da Noite. Ele era a vingança. Matar já não era uma atividade, era uma condição do ser. Se cada gota de sangue culpado derramada por ele compensassem uma gota de sangue inocente, naquela noite ele talvez conseguisse ficar limpo.”
Caminho das Sombras (The Way of Shadows) || Livro 1 da Trilogia Anjo da Noite || Brent Weeks || Editora Arqueiro || Brochura || 432 páginas || Skoob e Goodreads || Compre na Amazon ou com o próprio autor || Livro cedido em parceria com a editora.
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Este post é do dia 06 de setembro de 2016 e teve sua data alterada apenas por motivos de organização.
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