Viver sem ler é perigoso.

Era Uma Vez... 01: A dificuldade de escrever uma boa fantasia


Oi, gente. Celly falando. A coluna de hoje é nova, inaugurada pelo Matheus Vasconcelos, ou simplesmente Math. Ele abordará aqui dos assuntos mais diversos, mas pra mim, esse primeiro foi perfeito porque sou uma aspirante à escritora de fantasia e concordo com cada vírgula do que ele disse. No momento me encontro naquele estágio de achar meu trabalho uma bela porcaria, o que me tira a motivação pra continuar... Mas quem sabe outro dia eu fale algo sobre aqui. Com vocês, o Math:




Para a grande maioria das pessoas que preferem outros gêneros, escrever contos mágicos parece fácil. Quem nunca escutou alguém dizer que fantasia é algo simples? Que basta só imaginar algumas coisas mágicas e escrever. Esses, infelizmente, nunca saborearam o poder da fantasia.


   Aos leitores apaixonados por universo fantasiosos, por magia, heróis, vilões, outras raças e as famosas jornadas cheias de perigos e ação, vocês conseguem entender do que a fantasia se trata. Os fãs desse ilustre gênero maravilhoso se aprofundam nos universos criado dos autores, se deliciam com sua escrita (ahhh, Patrick Rothfuss!), amam página por página e adentram nesse mundo fantástico. Nós entendemos um pouco de como essa escrita é construída e temos uma noção da dificuldade que é fazer todo um universo novo.
Também há aquela parcela menor, dos que leem nas entre linhas, dos que conseguem perceber todo o sentimentalismo do autor por trás de cada página. De olhos abertos eles avistam a paixão do escritor. E esses, que os deuses queiram, cresçam mais ainda em números, pois são justamente essas belas pessoas que virarão os próximos escritores.
Por último, há os próprios escritores. Somente nós sentimos até o tutano dos nossos ossos o que realmente é ser um escritor de fantasia. Temos o mesmo amor que qualquer outro leitor fanático de fantasia, mas em nossos corações, há algo a mais que o simples amor por esse gênero. Há a frustração, a dor de cabeça, o pessimismo de que tudo que escrevemos é uma merda e por fim as dores da leitura de suas próprias obras (sempre está ruim rsrs). Mas por enquanto não falarei das emoções. Afinal, como sempre dizem, isso é história para outro dia (post).
Jogando de lado a emoção, vamos entrar no que importa nesse artigo, onde o título já dá uma amostra. Somente nós, os escritores, sabemos como é difícil escrever uma boa fantasia. Não estou querendo dizer que meu livro (que está em revisão) é algo excepcional, pois ninguém, além de mim, o leu. Mas eu acredito que qualquer novo escritor escreve uma boa fantasia.
Apesar de nós lermos milhares de livros, em nada isso ajuda a diminuir a dificuldade – ainda que ganhemos com isso grande inspiração e evoluamos em nossa escrita. Quando eu, ao virar a última página de Mago: Aprendiz (isso em janeiro do ano passado) decidi de imediato escrever um livro, mal sabia no que estava me metendo.
A primeira coisa que nos vem à cabeça é o personagem. Nós o criamos ao nosso gosto, sem medo de ser feliz. Quando nos satisfazemos, passamos a criar um enredo e eu, particularmente, imaginei direto o final. Em seguida pensamos na base e no primeiro capítulo. Então, mãos a obras, a escrita começa. Escrevemos um, dois capítulos iniciais e então paramos. E o mapa?!
Inocentes como somos em nossa primeira escrita, mal sabemos que a dificuldade começa no mapa. Ele particularmente é fácil para nós, os fantasiosos, basta alguns rabiscos e ter algumas ideias dos próprios mapas de geografia (só pequenas inspirações). A magia da criação começa sem ao menos sabermos! Criamos uma pátria ali, uma raça lá; colocamos montanhas ao lado daquele lago e definimos fronteiras. Com a base de tudo feita podemos seguir adiante.
A princípio o começo é de grande empolgação. As ideias germinam e você escreve como uma máquina. No entanto sua falta de experiência o cega e erramos várias vezes. Não ligamos, continuamos mesmo assim. Criamos mais e mais personagens, moldamos os cenários e a base da história. Dormimos, acordamos e passamos o dia inteiro pensando na maravilha do nosso mundo. Cidades surgem, grandes monumentos aparecem do nada e as jornadas começam.
Conforme caminhamos lentamente em nossas histórias, tudo está uma maravilha, mas então um pouco do medo de “será que alguém leria isso?”, “será que está bom?” bate em você. Começa aí as primeiras revisões e você percebe como é um merda. A depressão bate, mas ou você tem que ter uma vontade enorme, ou deve ter grandes amigos para incentivar. No meu caso, era só a vontade. Arrumamos as piores coisas, e, por estar de saco cheio, deixamos algumas para depois. O importante é continuar escrevendo, é isso que achamos.
Não vou escrever passo a passo como que se monta uma fantasia, afinal, não existe fórmula para isso. A questão mesmo é que conforme escrevemos, conforme damos vida não só a personagens mas a outras cidades, povoando-as, criando suas características, culturas e modos – e para quem decide trabalhar com mais raças, como é meu caso, esse trabalho duplica, triplica e até quadruplica o –, o mundo cresce imensamente, se torna algo sólido, concreto; e para o escritor, real. Talvez seja nessa fase que a fantasia se escreve por conta própria e nós, escritores, perdemos as rédeas da história. Você sente medo pelo rumo que tudo pode tomar, mas ao mesmo tempo se sente maravilhoso por saber que a escrita está dando certo, que está no caminho certo. 


Essa é uma das fases mais difíceis de seu ofício, uma parte que se refletirá até na hora de você fazer a revisão. Conforme a história toma rumos inesperados, pontas soltas surgem. Você tem a obrigação de voltar atrás, não na escrita de seus primeiros capítulos, mas lá trás quando os reinos se formavam, quando os primeiros habitantes viviam. Você tem que dar uma história para os antigos, pois de certa forma isso influencia no presente. Então será como escrever dois livros ao mesmo tempo, um da história presente e outra para mostrar como as pessoas da antiguidade eram; suas culturas, organizações e modos. Sua criatividade também não ajuda em nada... pois novas ideias surgem, as lendas se criam e você tem que dar uma boa história e uma boa explicação, certo?
Até então não parece difícil, aposto, mas é na prática que você fica com dor de cabeça. Primeiro que nem todo dia é uma maravilha para escrever, e quando você inicia um novo capítulo, começa a dificuldade. Você molda-o conforme a história do passado até achar uma falha. Então você reescreve a história do passado e volta para o presente. No entanto há outro erro, então você reescreve o capítulo. Então uma data não bate. Mais uma reescrita. E quando você acha que não tem mais erros, nos deparamos com a ambientação e a geografia dos lugares. Mais, e mais, e mais reescritas. É assim incontavelmente até o final da escrita. Na revisão então, cujo cada frase tem que estar em harmonia com a história... (risadas). Realmente só ao escrever que você perceberá o caminho que você tomou, e às vezes ele é cansativo.
Muitas vezes aparecem problemas no personagem. Ele é muito vago, vazio. Então toda uma reconstrução no caráter do personagem deve ser feita para atingir o jeito que o agrade. Eu só achei a personalidade de cada personagem (e olha que são muitos na minha história) no final do livro, pois como disse, esses são os resquícios do momento que tudo saiu do controle. Um ponto positivo, pois eles mesmos se construíram conforme a narração prosseguia. E seu único trabalho, jovem escritor, é modificar os 30 e poucos capítulos já escritos arrumando cada ponto de visão, pensamento e ação dos seus personagens. Uma coisa muito maravilhosa, certo? (mais risadas).
       Acho que agora podemos ter uma noção do porquê de os escritores demoram 2,3 e até cinco anos para escrever um livro. George R.R Martin tem em suas mãos um universo gigantesco em que levará todo o resto de sua vida para ser completado (ou não). Ele é um gênio da literatura, faz tudo com precisão em cada detalhe. Trabalha com personagens e todo um mundo só para poder construir uma história do presente (no livro), uma grande história no final das contas.
Tolkien que o diga, aposto que ainda escrevia contos sobre seu universo antes de morrer. Um trabalho de uma vida inteira. Uma dedicação incomum de anos e mais anos para construir uma das obras que inovaria o mundo da fantasia e inspiraria todas as obras seguintes. Talvez não seja verdade, mas gosto de dizer que todos (ou quase todos) os livros de fantasia escritos posteriormente de O Hobbit e O Senhor dos Anéis têm uma influência de Tolkien.
Além de tudo que eu disse acima, na maioria das vezes nossa vontade de escrever é mediana, o que torna todo o processo mais difícil ainda. Falarei mais disso em outro post. Enfim... Há muitas outras coisas que eu deixei de falar, pois o texto já ficou muito longo. Talvez faça outro texto sobre isso. Mas, com esse já dá para se ter uma noção da fantasia.
Alguns ainda vão ler e achar fácil, outros nem vão querer começar. Vejam bem, não criei esse texto para botar medo e desanimar vocês. Eu escrevi isso para dar uma pequena amostra do que vocês pretendem entrar. É maravilhosa e incrível a trajetória que as coisas acontecem. Por isso você que aceita esse desafio de passar anos escrevendo uma ou duas obras, ou você que sim, adoraria criar cada pedaço minucioso de um mundo novo; pegue um lápis, uma borracha, muitos papéis e escreva com seu próprio sangue, pois essa será sua marca no mundo.

E quem sabe quando seu livro for publicado podemos nos encontrar e bater um papo, para que ambos concordemos que mesmo sendo difícil escrever, é a melhor coisa que existe.    




      






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